DDF4. Um filme que você considera um clássico
Depois de ficar sabendo do aniversário de 70 anos de uma das mais valorizadas produções da história do cinema, resolvi rever Casablanca, filme com o qual eu tive meu primeiro (e até então último) contato há mais de dois anos. Foi no dia 18 de julho de 2010 que escrevi aqui no 1/3 sobre o vencedor do Oscar de Melhor Filme em 1944 com uma insegurança de quem não havia descoberto ainda a profundidade dramática deste filme.
Ao reassistir à obra, fiquei pasmado com o preciosismo e a ousadia da direção, que conseguiu levar às telonas um conteúdo até então ignorado pelos roteiros e debochado pelas grandes produtoras maniqueístas. Quem imaginaria no início da década de quarenta que mocinhos tivessem seu lado vilão, ou que o "felizes para sempre" pudesse tomar uma outra forma na ficção. Talvez mais próxima da realidade?
A ideia de que o fingimento consentido que o cinema proporciona pudesse se aproximar mais do cotidiano do espectador e de que os personagens principais pudessem sofrer,inclusive depois do The End, aterrorizava o conservadorismo dos conglomerados que ainda viviam na época do cinema mudo. Hoje Casablanca permanece intacto, inteiro, coeso e lindo. O ressoar de sua importância para as gerações que seguiram após seu lançamento ecoa até hoje nas escolas de formação.
Abaixo, segue o texto publicado há dois anos no 1/3 sobre Casablanca. Minha visão pode parecer um pouco soturna diante da luz que o filme emite, mas, como canta o personagem de Frank Sinatra na trilha mais importante do filme, com o passar do tempo (As Time Goes By), mudamos nossas concepções, passando a ver mais claramente o que antes era ofuscado pelo "eu" passado. Sendo assim, e diante da ideia de que estamos em constante evolução, peço a liberdade de alterar a nota dada à Casablanca quando o vi da primeira vez! (a nota havia sido 8).
CASABLANCA
LANÇAMENTO: 1943 (EUA)
DIREÇÃO: MICHAEL CURTIZ
GÊNERO: DRAMA/ ROMANCE
NOTA: 9,5
texto publicado no dia 18/07/2010):
Depois de assistir Casablanca, fiquei com medo. Sério! Fiquei com medo de escrever aqui no 1/3 que não gostei muito do filme diante de uma imensidão de opiniões contrárias. Pelos fóruns de cinema da Internet, descobri que todos gostam dele. Cheguei até a duvidar da minha capacidade de analisar cinema. Afinal, pergunto a vocês: qual é a grande qualidade desse suposto longa imbátivel?
Considerado o segundo melhor filme da história (superado apenas por Cidadão Kane), Casablanca é um filme “pequeno”, diante das superproduções hollywoodianas que começavam a despontar, não possui cenas externas, ainda é preto e branco e tem um roteiro que, para mim, não é super inovador como apontam os críticos. Apesar de admitir que a forma como foi dirigido e editado permanece até hoje como referência para o cinema contemporâneo, acredito que Casablanca é superestimado em demasia.
Humphrey Bogart (em sua primeira participação no TOP 1/3) é Rick Blane, dono do Café Rick’s, localizado na cidade de Casablanca, no Marrocos francês. A localidade funciona como rota de fuga para os que querem se livrar do nazismo e tentar uma nova vida na América. O mercado negro local funciona como disponibilizador de passes, documentos que dão acesso à Lisboa, para que então os viajantes possam trilhar sossegados para a salvação americana. Mas para Rick é diferente. Sua ambição é continuar com seu negócio em Casablanca, ganhar dinheiro e esquecer Ilsa Lund (Ingrid Bergman), antigo amor parisiense que simplesmente o deixou, sem nenhuma justificativa.
Para sua surpresa, um dos mais ferrenhos combatentes do nazismo, Victor Lazlo (Paul Henreid), refugiado de quase toda a Europa, surge em Casablanca, a fim de arranjar uma carta de liberdade para fugir para o Novo Mundo com sua esposa, uma linda e adorável loira chamada Ilsa Lund. O primeiro encontro dos dois após a separação em Paris se transforma em uma linda cena, na qual a sutileza e o mistério (já que o espectador não sabe o porquê de tamanho constrangimento entre eles) permeiam as falas.
Já que Lazlo não consegue comprar seu passaporte para a liberdade no mercado clandestino da cidade e Rick é detentor de um passe para Lisboa, ele e Ilsa passam a insistir para que o ex-amante dela venda o papel para os dois. O impasse de todo o filme é: se Rick der ou vender o passe, ficará sem Ilsa, que irá embora com Lazlo. Se ele se recusar, Lazlo será morto e Ilsa ficará infeliz, já que ele percebe que ela ama o marido (e também o ama, fato comprovado numa declaração de amor da protagonista, quando ela o conta porque o deixou em Paris).
Para piorar, Rick tem que se desfazer do passe, uma vez que ele é o principal suspeito de estar com o documento (que era de um rebelde morto pela polícia). Por falar nisso, os diálogos entre Rick e os guardas (alemães ou franceses) é de uma inteligência irônica surpreendente, e como eu adoro ironia, foram os momentos mais memoráveis do filme para mim. Sem dar lição de moral no final (mania feia dos filmes antigos [e de alguns novos também]), o roteiro de Casablanca supera o egoísmo do homem apaixonado e a covardia do soldado com medo da morte e apresenta uma história comovente (mesmo achando que a atuação de Humphrey não foi lá aquelas coisas) de duas pessoas que se amaram no passado e que tentam encontrar formas de manter esse amor.
A trilha sonora é deslumbrante. “As Time Goes By”, canção composta especialmente para a ocasião, é a cara do longa, tem sua essência, representa a emoção das lembranças de uma história de amor e a melancolia de uma possível separação. É um amor impossível? Eu diria que não, nem mesmo nas circunstâncias externas em que os personagens se encontravam, porém, como bem disse Rick na última cena: “Nós sempre teremos Paris!”.
Outras falas, expressões e cenas do filme superaram a passagem dos anos e foram sendo transmitidas de geração em geração, até chegarem aos cinéfilos contemporâneos. São algumas delas: “Play it again, Sam”, pedido de Rick para que seu pianista tocasse As Time Goes By novamente; “Não costumo fazer planos a longo prazo”, que demonstra a falta de perspectiva de Rick diante de seu futuro; “Eu me lembro de todos os detalhes. Os alemães vestiam cinza e você, azul”, fala saudosista de Ilsa para Rick; “Tantos bares, em tantas cidades em todo o mundo, e ela tinha que entrar logo no meu”, lamento de Rick ao acabar de se encontrar com Ilsa; “Isso foi o barulho de um canhão ou o meu coração que deu um salto?”, num flashback dos momentos vividos em Paris; “Beije-me. Beije-me como se essa fosse a última vez”, na despedida dos amantes; e talvez a expressão mais copiada e usada diariamente pelas pessoas: “Isso é o começo de uma grande amizade”, a última fala do longa, dita por Rick ao policial que o ajudou.
Parece que eu elogiei bastante o filme, mesmo com o desânimo do começo do texto, né? É, eu tenho que admitir que esse tal de Michael Curtiz (o diretor) conseguiu o que muitos tentaram: fez escola, ensinou a seus sucessores o que é cinema de qualidade e como é possível transformar uma boa história em uma produção inesquecível. Acho que o problema é que minha expectativa era muito grande. A culpa é minha. O filme é indispensável a quem curte cinema, ele não é ruim e não deve ser perdido sob nenhum pretexto.
Naquele ano, concorreram com Casablanca (sem nenhuma chance de vitória): Consciências Mortas (The Ox-Bow Incident), A Canção de Bernadette (The Song of Bernadette), Por Quem os Sinos Dobram (For Whom the Bell Tolls), O Diabo Disse Não (Heaven Can Wait) e Nosso Barco, Nossa Alma (In Which We Serve).