04 junho 2010

TOP 1935 - Aconteceu Naquela Noite

Já devo ter comentado aqui no 1/3 que não sou muito fã de comédias românticas, principalmente daquelas mal feitas, como a maioria das que são produzidas. Enfim, os roteiros geralmente são pobres, frágeis, cheios de incoerências e dissimilhanças, a direção é totalmente despreocupada com a estética, valorizando apenas o aspecto comercial da produção e as atuações deixam sempre muito a desejar. Depois de assistir o vencedor do Oscar de Melhor Filme de 1935, Aconteceu Naquela Noite, acho que mudei um pouco meu conceito e vou começar a prestar mais atenção aos espécimes deste nicho do cinema contemporâneo.

Cenário do embrião de todos os artifícios que as comédias românticas atuais trazem às telonas, “Aconteceu...”, um dos clássicos do diretor Frank Capra, conta a história vivida por Ellie Andrews (Claudette Colbert) e Peter Warne (Clark Gable) durante a noite em que se conhecem e se apaixonam. Ela, filha única e mimadíssima de um banqueiro magnata da Wall Street, que foge de casa para casar com um piloto playboy de Nova York e ele, jornalista fracassado, que caça uma boa história para alavancar sua carreira e sua moral junto ao seu chefe, são protagonistas da batidíssima (para nós) relação de ódio que se transforma em amor após uma convivência cheia de percalços e conspirações do destino.

Muito do que se produz hoje nessa área (em média 10 filmes por ano) tem algum aspecto que pode ser retirado como exemplo do filme de Capra. A comédia fica por conta da guerra dos sexos dos protagonistas, que volta e meia se veem em situações nas quais nem um nem outro já tenha vivido anteriormente, tendo que repensar algumas atitudes, e o romance é representado pela gradativa simpatia e paixão que um descobre pelo outro ao longo das trapalhadas que eles aprontam.


Um destaque que deve ser relembrado é a repartição em dois do quarto em que dividem por meio de um lençol pendurado, ou “a muralha de Jericó”, como inventa Peter, a fim de que tanto ele quanto ela possam se despir e trocar de roupa sem ver o outro. O lençol acaba sendo o símbolo da distância e da aproximação dos dois, uma vez que sua derrubada representa a primeira noite de amor do recém apresentado casal. Além de ser símbolo do roteiro, é também artifício técnico, em cenas nas quais apenas as silhuetas são vistas, ou as costas da protagonista colocando seu pijama, enfim, instrumento pelo qual o diretor consegue demonstrar seu poder de transformar cenas simples em belos takes de cinema.

Outro exemplo inesquecível é considerado a cena mais memorável do filme: trata-se da disputa masculina x feminina para pedir caronas. Enquanto o homem, firme diante de sua virilidade e eficácia, confia nos seus polegares infalíveis, a mulher, de posse de uma sensualidade exuberante, confia na beleza de suas pernas para parar os carros. Nem preciso dizer quem ganhou a disputa, numa das simbologias mais copiadas do cinema posteriormente. Além destes detalhes, a música é muito utilizada, através de canções entoadas por figurantes, geralmente em momentos de descontração.


Se fosse elencar e comentar todos os exemplos que serviram como referência para outras produções deixaria o meu texto maior do que já é (e olha que já reclamam que é gigante), mas valeria a pena, pois trata-se de um dos melhores filmes de todos os tempos que, 70 anos depois, ainda fascina pela ousadia com que deixou de lado os temas correntes da época (guerras, guerras e....guerras) para contar a divertida relação entre dois personagens completamente diferentes, que aprendem a se aceitar e mudam para melhorar. O roteiro é completamente previsível, mas, tendo em vista que foi lançado na década de 30, supera (e muito) as expectativas de quem o assiste.

Aconteceu Naquela Noite inovou ao vencer o Oscar nas cinco principais categorias da Academia (Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Ator, Melhor Atriz e Roteiro Adaptado), o que aconteceu só mais uma vez na história das premiações, com Um Estranho no Ninho, de 1975. As atuações de Gable e Colbert são excepcionais, garantindo momentos de descontração, divertimento e uma verdadeira aula de interpretação (quem for assistir, prestar atenção à cena no qual os protagonistas fingem ser marido e mulher para ludibriar os detetives contratados pelo pai da moça)

Com ele concorreram: A Alegre Divorciada (The Gay Divorcee), A Casa dos Rothschild (The House of Rothschild), A Ceia dos Acusados (The Thin Man), A Família Barrett (The Barretts of Wimpole Street), Aí Vem a Marinha (Here Comes the Navy), Cleópatra (Cleopatra), Imitação da Vida (Imitation of Life), Miss Generala (Flirtation Walk), The White Parade (The White Parade), Uma Noite de Amor (One Night of Love) e Viva Villa! (Viva Villa!)

ACONTECEU NAQUELA NOITE (IT HAPPENED ONE NIGHT)
LANÇAMENTO: 1934 (EUA)
DIREÇÃO: FRANK CAPRA
GÊNERO: COMÉDIA ROMÂNTICA
NOTA: 9,5

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