16 dezembro 2012

DDF6. 30 Dias de Noite

DDF6. Um filme de vampiro


Ele nem chega perto das diversas listas de melhores filmes sobre vampiros, mas 30 Dias de Noite me cativa pela extrema criatividade com a qual o roteiro nos conta uma trama basicamente trivial e já desgastada por produções pasteurizadas repetidas ao cansaço pela Sessão da Tarde. A equação dos filmes de terror, que consiste em um grupo de jovens sendo perseguido por algo que ponha vidas em risco, é a mesma aqui, não fosse pelas condições as quais os personagens têm de se submeter para sobreviverem aos dentuços.

A história, baseada num HQ homônimo, se passa em uma isolada vila no Alaska (EUA), onde o sol é encoberto pelo breu durante os 30 dias mais intensos do inverno. A dupla frio + escuridão é a dobradinha perfeita para que uma gangue de sugadores de sangue escolha a temporada para atacar a população que resolve permanecer no local em vez de migrar para o sul durante aquele mês.

Sem a presença do sol, criptonita para os vampiros, os vilões não têm restrição alguma e podem atacar qualquer lugar a qualquer momento. Para proteger a população, o xerife Eben Oleson (Josh Hartnett) e sua ex-esposa, a também policial Stella (Melissa George), têm a difícil missão de impedirem a matança completa antes que o sol volte a aparecer. Para piorar a situação das vítimas, além do fato de não poderem sair do vilarejo, pois o próximo voo chega apenas junto com o sol, os pálidos monstros arrumam uma forma de cortar a energia e qualquer tipo de comunicação com o exterior.

O estilo dos vampiros é outro ponto que merece destaque. Nada de traços românticos, compaixão ou qualquer sentimento que se aproxime da bondade. A personalidade dos vilões de 30 Dias de Noite é o que de mais tradicional pode se esperar de um vampiro, como a maldade, a crueldade, a frieza e a fúria mortal, além de uma característica que dá um tom ao mesmo tempo delicioso e aflitivo ao roteiro: a rapidez das criaturas. Neste filme, além de esteticamente assustadores, com dentes serrados e irregulares ao invés dos cristalinos caninos saltados, os vampiros são quase supersônicos. A mobilidade com que pulam e correm de forma quase esquizofrênica é um dos mais preocupantes obstáculos das vítimas, que precisam de muito pique pra fugir dos algozes.

A tensão ao longo do extermínio cinematográfico é muito bem distribuída e o roteiro consegue criar, levando-se em consideração a conjugação entre gelo, sangue e escuridão, situações ímpares no histórico de filmes sobre vampiros que eu já vi. Apesar de ser pouco valorizado entre crítica e público, 30 Dias de Noite é um dos poucos exemplares deste gênero que me fez ter medo.

Três anos após o lançamento do primeiro filme da franquia, a continuação da história em quadrinhos também ganhou uma adaptação para as telonas com o nome 30 Dias de Noite 2: Dias Sombrios. Desta vez, diferentemente de 2007, Sam Raimi, que tinha apadrinhado a produção, saiu do projeto juntamente com o primeiro diretor, David Slade. Para desandar de vez, Melissa George não pôde se envolver nas filmagens e teve de ser substituída por outra atriz. A troca não seria tão desastrosa se a trama do filme de 2010 não girasse exclusivamente ao redor da vingança da policial Melissa à matança provocada pelos vampiros em sua cidade. 

Com a troca de protagonistas, um orçamento menor e uma direção pouco inspirada, a sequência agradou uma ínfima parte do já pequeno público que havia gostado da primeira parte da história. E eu também não faço parte dessa ínfima parte.

30 DIAS DE NOITE (30 Days of Night)
LANÇAMENTO: 2007 (EUA)
DIREÇÃO: David Slade
GÊNERO: Terror
NOTA: 8,0

11 dezembro 2012

DDF 5. Os Bons Companheiros

DDF5. O melhor filme de seu diretor favorito


A qualidade de Os Bons Companheiros (Goodfellas) já começa na ironia utilizada no título do filme. Os integrantes da máfia italiana de um bairro de Nova York são pintados como companheiros, como se realmente a amizade fosse o primeiro sentimento presente neste tipo de relação. Ela pode até existir, desde que sobrepujada por um instinto de sobrevivência individual de cada criminoso (pelo menos é o que as produções cinematográficas voltadas a esse universo contavam até então).

A grande sacada do roteiro de Os Bons Companheiros é permitir com que os relevos da vida dos mafiosos sejam narrados por um admirador dos gangsteres inapto para o crime. Em off durante a extensão da obra, o pupilo da máfia Henry Hill (Ray Liotta), vizinho do QG dos Goodfellas, traz sua perspectiva sobre os anseios, conquistas e tristezas dos criminosos durante sua ascensão "profissional". 

Apesar dos bônus trazidos pela vida criminosa, o deslumbramento inicial de Hill aos poucos vai perdendo sentido quando os lucros financeiros, os favorecimentos e a proteção dão lugar à desconfiança de todos e ao perigo de simplesmente existir enquanto mafioso. Quem antes passava a mão na cabeça daquele adolescente franzino e delicado agora apontava a arma para a sua cabeça por motivos banais.

É em meio a essa tensão absoluta e continuada que o espectador é convidado a conhecer, sempre da perspectiva discipulada do protagonista, os outros bons companheiros. As principais e mais perigosas peças do jogo são Paul Cicero (Paul Sorvino), Tommy DeVitto, que deu a Joe Pesci a estatueta de Melhor Ator Coadjuvante no Oscar de 1991, além do chefe da máfia Jimmy Conway, interpretado brilhantemente por um vigoroso Robert de Niro.

Por falar nele, é em parceria com De Niro que Martin Scorsese chega ao auge cinematográfico em suas produções sobre a máfia. Pode-se dizer que os dois companheiros de set protagonizaram uma das duplas mais acertadas e talentosas do cinema moderno. Assim como Johnny Depp e Tim Burton ou Woody Allen com suas amadas protagonistas louras, De Niro e Scorsese deram vida à máfia de maneira crua, despida de pudores ou máscaras hipócritas, e nos presentearam com grandes obras.

Destaco Os Bons Companheiros pela demonstração maestral do que é o fazer cinematográfico em um enredo de difícil fruição devido à distância com que a máfia se encontra da maioria dos espectadores. Scorsese consegue se embrenhar neste universo de maneira plena e elevar à máxima potência a percepção do público de quão dúbias podem ser as sensações que o crime gera em quem participa direta ou indiretamente dele.

A concepção técnica da direção de Os Bons Companheiros é outro salto nos olhos de quem o vê. Ao brincar com invenções narrativas contemporâneas, Scorsese inaugura técnicas de contar histórias violentas no cinema repetidas por grandes diretores no futuro, como Quentin Tarantino e Danny Boyle. Quem não se lembra da narração explicativa em off  conjugada ao congelamento da imagem no clímax da cena ou dos planos fechados que evidenciam, de acordo com o momento da história, a pouca ou maior importância dos personagens? É Scorsese fazendo escola!

OS BONS COMPANHEIROS (Goodfellas)
LANÇAMENTO: 1990 (EUA)
DIREÇÃO: MARTIN SCORSESE
GÊNERO: MÁFIA
NOTA: 9,8

27 novembro 2012

DDF4. Casablanca

DDF4. Um filme que você considera um clássico


Depois de ficar sabendo do aniversário de 70 anos de uma das mais valorizadas produções da história do cinema, resolvi rever Casablanca, filme com o qual eu tive meu primeiro (e até então último) contato há mais de dois anos. Foi no dia 18 de julho de 2010 que escrevi aqui no 1/3 sobre o vencedor do Oscar de Melhor Filme em 1944 com uma insegurança de quem não havia descoberto ainda a profundidade dramática deste filme. 

Ao reassistir à obra, fiquei pasmado com o preciosismo e a ousadia da direção, que conseguiu levar às telonas um conteúdo até então ignorado pelos roteiros e debochado pelas grandes produtoras maniqueístas. Quem imaginaria no início da década de quarenta que mocinhos tivessem seu lado vilão, ou que o "felizes para sempre" pudesse tomar uma outra forma na ficção. Talvez mais próxima da realidade?

A ideia de que o fingimento consentido que o cinema proporciona pudesse se aproximar mais do cotidiano do espectador e de que os personagens principais pudessem sofrer,inclusive depois do The End, aterrorizava o conservadorismo dos conglomerados que ainda viviam na época do cinema mudo. Hoje Casablanca permanece intacto, inteiro, coeso e lindo. O ressoar de sua importância para as gerações que seguiram após seu lançamento ecoa até hoje nas escolas de formação. 

Abaixo, segue o texto publicado há dois anos no 1/3 sobre Casablanca. Minha visão pode parecer um pouco soturna diante da luz que o filme emite, mas, como canta o personagem de Frank Sinatra na trilha mais importante do filme, com o passar do tempo (As Time Goes By), mudamos nossas concepções, passando a ver mais claramente o que antes era ofuscado pelo "eu" passado. Sendo assim, e diante da ideia de que estamos em constante evolução, peço a liberdade de alterar a nota dada à Casablanca quando o vi da primeira vez! (a nota havia sido 8).

CASABLANCA
LANÇAMENTO: 1943 (EUA)
DIREÇÃO: MICHAEL CURTIZ
GÊNERO: DRAMA/ ROMANCE
NOTA: 9,5

texto publicado no dia 18/07/2010):

Depois de assistir Casablanca, fiquei com medo. Sério! Fiquei com medo de escrever aqui no 1/3 que não gostei muito do filme diante de uma imensidão de opiniões contrárias. Pelos fóruns de cinema da Internet, descobri que todos gostam dele. Cheguei até a duvidar da minha capacidade de analisar cinema. Afinal, pergunto a vocês: qual é a grande qualidade desse suposto longa imbátivel?

Considerado o segundo melhor filme da história (superado apenas por Cidadão Kane), Casablanca é um filme “pequeno”, diante das superproduções hollywoodianas que começavam a despontar, não possui cenas externas, ainda é preto e branco e tem um roteiro que, para mim, não é super inovador como apontam os críticos. Apesar de admitir que a forma como foi dirigido e editado permanece até hoje como referência para o cinema contemporâneo, acredito que Casablanca é superestimado em demasia.

Humphrey Bogart (em sua primeira participação no TOP 1/3) é Rick Blane, dono do Café Rick’s, localizado na cidade de Casablanca, no Marrocos francês. A localidade funciona como rota de fuga para os que querem se livrar do nazismo e tentar uma nova vida na América. O mercado negro local funciona como disponibilizador de passes, documentos que dão acesso à Lisboa, para que então os viajantes possam trilhar sossegados para a salvação americana. Mas para Rick é diferente. Sua ambição é continuar com seu negócio em Casablanca, ganhar dinheiro e esquecer Ilsa Lund (Ingrid Bergman), antigo amor parisiense que simplesmente o deixou, sem nenhuma justificativa.

Para sua surpresa, um dos mais ferrenhos combatentes do nazismo, Victor Lazlo (Paul Henreid), refugiado de quase toda a Europa, surge em Casablanca, a fim de arranjar uma carta de liberdade para fugir para o Novo Mundo com sua esposa, uma linda e adorável loira chamada Ilsa Lund. O primeiro encontro dos dois após a separação em Paris se transforma em uma linda cena, na qual a sutileza e o mistério (já que o espectador não sabe o porquê de tamanho constrangimento entre eles) permeiam as falas.

Já que Lazlo não consegue comprar seu passaporte para a liberdade no mercado clandestino da cidade e Rick é detentor de um passe para Lisboa, ele e Ilsa passam a insistir para que o ex-amante dela venda o papel para os dois. O impasse de todo o filme é: se Rick der ou vender o passe, ficará sem Ilsa, que irá embora com Lazlo. Se ele se recusar, Lazlo será morto e Ilsa ficará infeliz, já que ele percebe que ela ama o marido (e também o ama, fato comprovado numa declaração de amor da protagonista, quando ela o conta porque o deixou em Paris).

Para piorar, Rick tem que se desfazer do passe, uma vez que ele é o principal suspeito de estar com o documento (que era de um rebelde morto pela polícia). Por falar nisso, os diálogos entre Rick e os guardas (alemães ou franceses) é de uma inteligência irônica surpreendente, e como eu adoro ironia, foram os momentos mais memoráveis do filme para mim. Sem dar lição de moral no final (mania feia dos filmes antigos [e de alguns novos também]), o roteiro de Casablanca supera o egoísmo do homem apaixonado e a covardia do soldado com medo da morte e apresenta uma história comovente (mesmo achando que a atuação de Humphrey não foi lá aquelas coisas) de duas pessoas que se amaram no passado e que tentam encontrar formas de manter esse amor.

A trilha sonora é deslumbrante. “As Time Goes By”, canção composta especialmente para a ocasião, é a cara do longa, tem sua essência, representa a emoção das lembranças de uma história de amor e a melancolia de uma possível separação. É um amor impossível? Eu diria que não, nem mesmo nas circunstâncias externas em que os personagens se encontravam, porém, como bem disse Rick na última cena: “Nós sempre teremos Paris!”.

Outras falas, expressões e cenas do filme superaram a passagem dos anos e foram sendo transmitidas de geração em geração, até chegarem aos cinéfilos contemporâneos. São algumas delas: “Play it again, Sam”, pedido de Rick para que seu pianista tocasse As Time Goes By novamente; “Não costumo fazer planos a longo prazo”, que demonstra a falta de perspectiva de Rick diante de seu futuro; “Eu me lembro de todos os detalhes. Os alemães vestiam cinza e você, azul”, fala saudosista de Ilsa para Rick; “Tantos bares, em tantas cidades em todo o mundo, e ela tinha que entrar logo no meu”, lamento de Rick ao acabar de se encontrar com Ilsa; “Isso foi o barulho de um canhão ou o meu coração que deu um salto?”, num flashback dos momentos vividos em Paris; “Beije-me. Beije-me como se essa fosse a última vez”, na despedida dos amantes; e talvez a expressão mais copiada e usada diariamente pelas pessoas: “Isso é o começo de uma grande amizade”, a última fala do longa, dita por Rick ao policial que o ajudou.

Parece que eu elogiei bastante o filme, mesmo com o desânimo do começo do texto, né? É, eu tenho que admitir que esse tal de Michael Curtiz (o diretor) conseguiu o que muitos tentaram: fez escola, ensinou a seus sucessores o que é cinema de qualidade e como é possível transformar uma boa história em uma produção inesquecível. Acho que o problema é que minha expectativa era muito grande. A culpa é minha. O filme é indispensável a quem curte cinema, ele não é ruim e não deve ser perdido sob nenhum pretexto.

Naquele ano, concorreram com Casablanca (sem nenhuma chance de vitória): Consciências Mortas (The Ox-Bow Incident), A Canção de Bernadette (The Song of Bernadette), Por Quem os Sinos Dobram (For Whom the Bell Tolls), O Diabo Disse Não (Heaven Can Wait) e Nosso Barco, Nossa Alma (In Which We Serve).

22 novembro 2012

DDF3. A Lagoa Azul

DDF3. Um filme que passe na Sessão da Tarde e que você adora



Antes da era dos blockbusters e dos downloads, o principal termômetro para a popularidade dos filmes-pipoca era a Sessão da Tarde. Criada há 38 anos pela Rede Globo, o programa diário elegeu algumas produções e as popularizou como verdadeiros clássicos vespertinos, repetindo a exibições incansavelmente. Entre eles, não ficam de fora Esqueceram de Mim, Ghost - Do Outro Lado da Vida, Uma Babá Quase Perfeita, De Volta para o Futuro, entre outros. 

Mas quem passou as tardes das décadas de 80 e 90 em frente ao plim plim não tem como esquecer de A Lagoa Azul. A trama, lançada em 1980, já está impregnada no imaginário popular como símbolo cinematográfico da infância. Na história, Emmeline e Richard Lestrange (Brooke Shields e Christopher Atkins, respectivamente), duas crianças da aristocracia vitoriana, pensam estar em um verdadeiro pesadelo ao naufragarem em uma ilha paradisíaca ao sul do Pacífico. 

O instinto, no entanto, fala mais alto, e os protagonistas aprendem sozinhos a sobreviverem em meio àquele ambiente. Constroem a própria casa, um verdadeiro forte contra ventos e chuvas, viram-se bem com a alimentação e aprendem a superar o medo da  floresta. Anos depois, já adolescentes, um desafio ainda mais difícil precisa ser superado: as mudanças corporais causadas pela puberdade e o amor que começa a nascer entre eles. 

Indicado ao Oscar de Melhor Fotografia, A Lagoa Azul pode até não ser um clássico, na definição oficial do termo, mas enlevou gerações com sua narrativa ingênua e o alto grau de erotismo. Que criança daquela época nunca ansiou por ver os corpos nus de Brooks Shields e de Christopher Atkins em uma época em que a pornografia era velada socialmente, mas liberada na arte? 

De meados dos anos oitenta até o início dos 90, era comum se ver na televisão aberta programas com conteúdos impróprios para todas as idades sendo exibidos no meio da tarde, como acontecia com o Contos da Cripta, na Rede Bandeirantes, ou com a novela Xica da Silva, na Manchete. Fica a dúvida: será que os programas é que eram impróprios ou imprópria é a consciência coletiva da sociedade atual, na qual o Google oferece muito mais pornografia do que todos esses programas juntos e não é fiscalizado?

É impensável a exibição do conteúdo sem cortes de A Lagoa Azul nos dias politicamente corretos de hoje. A Sessão da Tarde ainda não o esqueceu, mas exibe a produção com uma frequência cada vez mais escassa e com cortes mais abruptos. O que também pode justificar este ostracismo é a falta de atratividade do filme, que hoje não diz quase nada para o público jovem. 

A liberdade sexual e valores como o desprendimento material e a formação familiar que A Lagoa Azul prega foram importante em um determinado período histórico, mas deixaram de ser atraentes se expostos da mesma forma. Felizes aqueles que puderam viver a magia deste filme, que puderam conversar de maneira inigualável com a sua narrativa e que dividiram com Emmeline e Richard as descobertas da vida.

A LAGOA AZUL (The Blue Lagoon)
LANÇAMENTO: 1980 (EUA)
DIREÇÃO: Randal Kleiser
GÊNERO: Romance/Aventura
NOTA: 7,5