04 maio 2011

NãPAM - Franquia Pânico

O primeiro Não Perca Antes de Morrer da nova temporada do 1/3 traz como dica imperdível a série de filmes que revolucionou o terror na década de 90 e que, dez anos depois, estreia sua quarta e (ao que tudo indica) última parte. Depois da geração Jason e Freddy Krueger, Wes Craven (que já tinha produzido A Hora do Pesadelo anos antes) presenteou os fãs do gênero com um fôlego nunca antes conquistado no terror. Sam Raimi até tentou imputar um humor pastelão em suas Noites Alucinantes da década de oitenta, mas foi Craven quem determinou que uma máscara cafona, tombos do assassino em momentos estratégicos, uma mira sofrível, alguns erros de continuidade explícitos e o que se convencionou chamar de metalinguagem cinematográfica moderna pudessem ser as novas regras de todo um gênero desde então.(Só para explicar: metalinguagem cinematográfica moderna é a discussão sobre filmes de terror dentro de um filme de terror. Em Pânico, elementos como as regras de sobrevivência, os passos do assassino e a conduta das vítimas são debatidos por cinéfilos de uma High School americana com base na história do cinema de terror do passado. As análises dos estudantes incentivam o ataque do assassino que, supostamente, está entre eles).

Seguidores da descoberta da nova fórmula de se fazer terror, como Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado e Lenda Urbana, ou simplesmente sátiras escrachadas, como Todo Mundo em Pânico, apareceram aos montes e, aos poucos, as novas gerações se acostumaram com a dobradinha humor/ terror como um elemento essencial da nova safra.



Mesmo com uma nova febre em desenvolvimento (os chamados filmes de terror documental, como REC, A Bruxa de Blair e Atividade Paranormal) Craven decidiu investir na continuação da trilogia, com o trunfo marqueteiro de que a quarta parte da série iria renovar as regras do jogo. O que se vê, no entanto, é o mesmo esqueleto dramático e as mesmas reviravoltas do roteiro, a não ser pelo fato do longa possuir um início e um desfecho muito criativos (diferente do segundo e do terceiro Pânico). Problemas de continuidade e da direção de arte continuam explícitos (assim como nós, fãs, gostamos de ver) e mesmo com o passar do tempo e a possibilidade do uso de ínumeras tecnologias, não se percebe a utilização de efeitos especiais (realismo que, para mim, é ponto positivo).

A tensão e os sustos que os primeiros filmes causam no espectador não se repetem na quarta parte, que apela mais para a comédia e o suspense. Os diálogos são homenagens à trilogia original, com engraçadíssimas tirações de sarros entre os personagens, que sofrem com uma nova chacina em Woodsbooro, 10 anos depois do fim do pesadelo de Sidney Prescott (Neve Campbell), Gale Weather (Courteney Cox) e o xerife Dewey (David Arquette). Todos acham que após a volta de Sidney à cidade (ela foi lançar seu mais novo livro, um auto-ajuda contando como foi sua superação após os assassinatos) todos que estiverem a sua volta irão morrer (o apelido de Sidney passa a ser Anjo da Morte).

Com mais idade e prestígio na pequena cidade, Prescott e Gale (que também estão super botocadas) tentam descobrir qual é a nova fórmula do assassino para tentarem evitar mais mortes (talvez essa seja a única mudança na conduta de Ghostface). Dos quatro longas, é o que possui a segunda justificativa mais plausível e verossímil para o assassino atacar, porém, é o mais deslocado em relação aos outros três (um dos principais fatores é a própria distância temporal de lançamento, obviamente). Apesar da verossimilhança em relação à justificativa, é totalmente inverossímil no que diz respeito a lógica do roteiro, como se pode perceber nos questionamentos abaixo:

Como Dewey demora tanto para chegar de um lugar a outro na cidade, sendo que desde o Pânico 1 se sabe que Woodsbooro é bem pequena? Porque não chamar reforços policiais de distritos vizinhos para auxiliar na captura de Ghostface? Qual é o objetivo em, mesmo sabendo que é para se trancar todas as portas e janelas das casas, deixar alguma passagem sem cadeado decretando, assim, seu atestado de óbito?


Outras questões inerentes ao estilo do terror pregado por Craven e até mesmo à sátira metaliguística que ele faz aparecem também no novo lançamento, como os misteriosos motivos de sair sozinho de casa quando se sabe que há algo de errado acontecendo, a mania (feia) de abrir a porta e sair pelo quintal no escuro ou subir as escadas até o sotão empoeirado (é só para afirmar que é machão?? Vai se dar mal e vai ser bem feito!), enfim, parece que todos os personagens de filmes de terror se inflam de um orgulho besta que só morrendo para se dar conta de que não é assim que as coisas acontecem...


Seja 1, 2, 3 ou 4, Pânico é um divisor de águas na história do cinema de terror, marcou uma geração de apaixonados pelo gênero e volta com todo estilo para matar as saudades dos mais velhos e para apresentar para as novas gerações o que de melhor se fez no fim do século passado (ohhh!). Se fosse para ranquear os quatro filmes da série, diria que minha lista ficaria assim:


4º Lugar: Pânico 3 (2000)
3º Lugar: Pãnico 4 (2011)
2º Lugar: Pânico 2 (1997)
1º Lugar: Pânico (1996)

02 maio 2011

Dá-lhe Lady Kate

Quem não está acostumado com toda a pompa e elegância britânicas (assim como eu) deve ter achado o casamento real de Kate e William (que foi realizado na última sexta de manhã - e divulgado incasavelmente desde então) uma chatice. E de galocha. Porque a única extravagância que consegui enxergar foi meia dúzia de gatos pingados que se encorajaram e entraram na fonte que fica na entrada do Palácio de Buckingham, para os olhos de desagrado de praticamente toda a sociedade londrina que os circundava. O motivo? Um pouco de atenção naquele dia em que todos os olhos (desde os azuis da Alemanha até os puxados do Japão) estavam ansiosos para ver tudo o que acontecia entre o casal mais amado do momento. Para que? Para ver um selinho tão ligeiro quanto minguado ou pelo simples fato de ter o que contar quando chegasse no trabalho e não passasse pelo constrangimento de ser o único a não ter perdido a manhã em frente a TV?(e eu morrendo de inveja dos ingleses que estavam curtindo o feriadão monárquico)

Só sei que a noiva se atrasou mais de um minuto para chegar na Abadia de "alguma coisa" e a incrível marca de 40 segundos para sair na sacada de Buckinham para o tão esperado (e frustrado) beijo dos noivos. Que desrespeito com as milhões de pessoas que tiveram de aguardar! (se ela soubesse das horas e horas de fila que o pessoal do SUS e do INSS enfrentam todos os dias nas bandas de cá ela se daria por agradecida por ter tido sorte de conhecer William). Imagine a vida infernal que a ex-plebeia vai ter daqui para frente. Colocando na ponta do lápis, os prós devem vencer a disputa, mas que deve ser um saco ser da família real britânica, ah deve ser...só de ter de ver a cara feia do príncipe Charles todo dia já deve ser horrível.

Voltando ao casamento: o que foi aquela festa milionária hein? Por mais que seja desperdício, temos de concordar que, enquanto a população londrina trabalha para sustentar dezenas (ou até centenas) de membros da corte real, nós, brasileiros, pagamos milhões em impostos para dar uma vida de ostentação a milhares de políticos corruptos e incompetentes. Pelo menos lá eles têm a vantagem de ser representados diplomaticamente por uma figura aparentemente ilesa de qualquer julgamento e, melhor ainda, que não manda em nada nas decisões do Parlamento. Rainha Elizabeth: um joguete nas mãos dos estadistas.

Milhões se acotovelaram nas antigas ruas de Londres e mais milhões zapearam sem parar o controle remoto até encontrar o melhor ângulo de visão e os comentaristas menos medíocres para acompanharem minuto a minuto o evento da década. Não vou dizer que me orgulho de ter visto o primeiro casamento real da minha vida (já que em 1981, quando do casório da Lady Di, eu ainda nem era projeto e também porque meu sangue latino fala mais forte e não sou muito fã de erudições e cerimônias sofisticadas), mas foi uma experiência legal ver a mobilidade social de praticamente todo o planeta ao redor do matrimônio. Eu ainda clamei por algum incidente, como uma bala perdida, uma queda, um arrastão, um ataque terrorista, sei lá, algo que subvertesse a ordem e treinasse a capacidade de improvisação dos guardas-de-cabeça-de-cotonete-preto-gigante.

Alguém tem dúvida de que se o casamento real fosse no Brasil ia dar merda? Imaginem primeiro que os gringos, sempre surpresos com a nossa pobreza, iam querer unir as alianças no topo do morro do Alemão, ao som de Zeca Pagodinho, churrasquinho de gato para os convidados, muita caipirinha e mulata sambando a rodo. Os camelôs e os vendedores ambulantes de comida iam lucrar fácil com a comitiva de bolsos europeus e, é claro, o encerramento do casamento ia ser o show da Ivete Sangalo (melhor ainda: ela podia entrar com as alianças cantando Poeira e ainda ficar dançando em volta dos noivos até obrigar os dois a darem um beijo de língua sob a narração do Galvão Bueno. "Vai que é tua Willião!!!" - tudo sob o comando do cerimonial oficial da Liga dos Traficantes Cariocas). Eu acho chique! Exageros à parte, o casamento real nos moldes tupiniquins ia ser bem mais divertido, sem o garbo insuportavelmente chato do pessoal do Reino Unido. Prefiro a brejeira brasileira.

Por falar em brejeirice, espiem só esse vídeo que achei no Youtube. É uma paródia do casamento, com sósias (realmente parecidas) e réplicas das roupas usadas na cerimônia original. Não é a versão brasileira, mas já consegue fugir da monotonia que tomou conta dos noticiários na semana que passou (e que já foi esquecida pela morte do Osama).



E depois do fim da festa? Ficaram só as recordações de mais um conto de fadas contemporâneo que começou capenga. É que nem lua-de-mel os pombinhos foram fazer. Segundo os sites de notícia da internê, eles passaram o fim de semana no Reino Unido mesmo e adiaram a viagem (que não se sabe se chegou a existir mesmo que em projeto) sem data definida. É, parece que a festa saiu mais cara do que se esperava...

01 maio 2011

De cara nova

Um mês de descanso depois, o 1/3 volta com novo leiaute, novas seções e novo ânimo para mais um ano de presença garantida na blogosfera cultural. Foram mais de 160 postagens e 33 mil visualizações (número impressionante para mim, que não botava muita fé na proposta que iniciei em março do ano passado). Agradeço a presença e os comentários de todos os meus seguidores e amigos, que fiz eram com que eu não desistisse do projeto TOP 1/3 e dos meus exercícios experimentais de redação que compartilhei nesse espaço. Para 2011, o blog será mais abrangente, abordando as novidades da TV, do mundo musical, do teatro e, é claro, do cinema, por meio de postagens interativas, convergentes e que condigam com a necessidade de troca constante de informações que nossa era digital impõe. Não deixarei de apoiar o conteúdo textual e a análise completa de produtos culturais (obrigatoriedade em meus textos), além de trazer para esse espaço discussões sociais, políticas e comportamentais.

Entre as novidades estão as seções:

Dica da Semana: Postagem semanal (todas as sextas-feiras) em que eu irei indicar (ou boicotar) uma música (ou álbum), um filme, um livro e um programa de TV. Será uma publicação multitemática com o objetivo de fazer com que você experimente minhas dicas no fim de semana e comente se concorda ou não com a minha opinião.

Tabus: A notícia da semana vira tema de discussão no 1/3. Toda segunda-feira é dia de debater o que a mídia explorou na semana anterior, opinando se a cobertura foi válida, se houve exagero, quais os caminhos para o bom aproveitamento do tem etc.

Ranking: O projeto que lista os 10 melhores(ou piores) produtos culturais (seja na literatura, na música, no teatro, no cinema, na TV etc) continua em 2011. Não há, no entanto, periodicidade definida.

Não perca antes de morrer!: Crítica de arte sobre um filme, um livro, uma peça teatral, uma música, um CD, um produto televisivo, enfim, um texto que reflita sobre todos os lados da mesma obra. Periodicidade: Todas as quartas-feiras.

Vozes: Qual é a minha relação com um cantor, cantora ou banda? Em que e como esse artista influenciou minha vida? Qual é a sua história e quais são suas melhores canções? Acompanhe todas essas respostas aqui no 1/3. Periodicidade não definida.

Além das seções fixas, haverá outros textos que ocasionalmente serão publicados. Espero poder contar com a visita e os comentários de vocês, o único motivo que me faz continuar escrevendo.

Sejam bem vindos ao 1/3 versão 2011!

01 abril 2011

TOP 2010 - Guerra ao Terror

A Academia de Ciências Cinematográficas de Hollywood, desde seus primórdios, é confusa em suas preferências, quando se diz respeito a escolha do melhor filme de cada ano. Agora que cheguei no fim do projeto TOP 1/3 posso dizer que não consigo definir a diretriz usada pelos eleitores para elegerem o bam-bam-bam da temporada. É claro que tudo depende da gama de produções existentes, mas é inegável que todo ano há aquela comédia de costumes, aquele longa cult que poucos entendem, uma superprodução que usa das mais avançadas tecnologias para se destacar, um (ou mais) filme(s) independente(s), quiçá um musical, que promete ressuscitar o gênero esquecido e, quase que obrigatoriamente, um longa psicologizante de guerra, com uma visão mais que ultrapassada sobre conflitos bélicos e suas influências no comportamento humano.

Em 2009, surgiu timidamente no mercado o longa Guerra ao Terror, dirigido pela experiente no gênero Katherine Bigelow (Caçadores de Emoção, K-19). A cineasta retrata as delícias e desprazeres da vida dos desarmadores de bomba americanos em missão no Iraque (contemporaneamente, ou seja, já numa época de iminente conflito entre as duas nações). A dualidade entre a necessidade de defesa patriótica como condição de honra e o medo instaurado naqueles soldados que estão há milhares de quilômetros de casa é o mote do fraco roteiro que estrutura a produção.

Com câmera na mão e trilha sonora crua, a fim da criação de um suposto suspense (que não chegou até mim), os personagens se dividem entre o fio vermelho ou verde, como a última decisão da vida. A guerra não é ritual de transição da adolescência para a idade adulta, nem tampouco orgulho para o país que aguarda o retorno de seus soldados, mas sim uma espécie de purgatório, um limbo para os que, regados pelo amor e ódio, dedicam anos a fio (talvez os últimos de sua vida) a guerrear. E nem esperam orgulho dos que os amam, ou redenção pelos pecados passados; querem apenas viver o que é a guerra, absorver suas nefastas ou maravilhosas consequências.

Quando o sargento James (Jeremy Renner, indicado ao Oscar de Melhor Ator) volta para os Estados Unidos (após ter servido durante 38 dias na base de desarmamento de bombas em áreas civis no Iraque), vê que sua realidade (ou o que pensava ser) já foi substituída por um mundo que não mais lhe pertence. As bombas, os tiros, o sangue e a crueldade de uma cultura que, aos olhos de seu país, é inferior, parecem ter se tornado mais familiares que sua própria esposa e filho. Assim como em Soldado Anônimo, de Sam Mendes (só que de maneira menos eficiente), Bigelow afirma que um soldado, após passar por um guerra, não somente absorve para sempre as impressões que teve durante as missões, como também nunca deixa de ser militar. É como dizer que a guerra nunca sai dele, mesmo que sua intenção, ao participar de uma guerra, seja só esquecê-la.

Voltando a falar sobre as preferências da Academia, confundo-me um pouco com a alternância no poder de produções extremamente clássicas e quadradas, como é o caso de Guerra ao Terror, e de longas mais ousados e irreverentes, como foi com Quem Quer Ser um Milionário?, um ano antes. Por mais que a crítica especializada tenha defendido ferrenhamente Guerra ao Terror, chegando até a afirmar que este seria o novo Platoon ("Guerra..." foge do patamar Spielbergiano de endeusar as guerras, mas o longa não chega a posição de merecer prêmios, como o de Melhor Filme do ano), ainda prefiro O Resgate do Soldado Ryan, Soldado Anônimo, Os Melhores Anos de Nossas Vidas, Cartas de Iwo Jima, e tantos outros filmes que conseguem ter uma visão psicanalítica da guerra de uma maneira bem mais eficaz que o vencedor do Oscar de 2010. Outra característica que pode ter influenciado a decisão dos jurados foi o fato de nenhuma outra vez, na história do Oscar, uma mulher ter levado o prêmio de Melhor Direção, ainda mais quando a única cotada é ex-esposa do diretor do filme favorito a levar a estatueta-mor (refiro-me a Avatar, a maior bilheteria da história do cinema e megaprodução que lançou a tecnologia 3D de vez para o mundo).

Uma nova regra alterou a escolha dos vencedores do Oscar 2010. Agora não são mais 5 indicados para a categoria Melhor Filme, mas 10, a fim de acirrar a disputa entre os concorrentes (a norma foi retomada, após mais de 50 anos com apenas 5 indicações). Quem concorreu como Melhor Filme foram os longas: Distrito 9 (District 9), produção mais acanhada de Peter Jackson, após KIng Kong e O Senhor dos Anéis; Educação (An Education); Preciosa (Precious); Um Homem Sério (A Serious Man); Um Sonho Possível (The Blind Side), que deu a Sandra Bullock o título injusto de Melhor Atriz do ano; Up - Altas Aventuras (Up); Amor Sem Escalas (Up in The Air); Avatar, de James Cameron, que é infinitamente melhor que o vencedor; e Bastardos Inglórios (Inglorious Bastards), o melhor entre os indicados para ser intitulado como "the best". É uma pena que até hoje as produções de Quentin Tarantino não tenham sido prestigiadas pelo Oscar.

GUERRA AO TERROR (THE HURT LOCKER)
LANÇAMENTO: 2009 (EUA)
DIREÇÃO: KATHERINE BIGELOW
GÊNERO: GUERRA/ DRAMA
NOTA: 7,5

31 março 2011

TOP 1964 - As Aventuras de Tom Jones

Peço licença para voltar um pouquinho no tempo até o Oscar de 1964, quando um dos grandes sucessos do ator Albert Finney levou para casa a estatueta-mor da cerimônia (para quem não se lembra, Finney ultimamente participou de filmes como Traffic, Peixe Grande, O Ultimato Bourne e Erin Brockovich). As Aventuras de Tom Jones narra a história de um garoto pobre (Jones) que, abandonado, é encontrado por uma família nobre do século XVIII e criado até a idade adulta. Por carga genética (ou não – pois não se sabe quem é seu pai) Tom se torna exageradamente mulherengo, usando as mulheres do reino a seu bel-prazer e inclusive atrapalhando os planos da aristocracia local. De repente conhece Sophie Western (Susannah York), por quem se apaixona e tem de conter seus instintos para viver esse amor, fardo duro para o galinha Tom Jones.

O roteiro é simplório, sem grandes pretensões ou complexidades. O que se vê é o que se passa na tela. A caracterização dos personagens é extremamente caricata, fazendo com que a trama se torne inverossímil e boba. Não há identificação com o espectador, que espera uma história digna de vencer o Oscar, e não mais uma comédia de costumes que pretende divertir com piadas preconceituosas, de baixo calão, alusivas ao sexo e artifícios que usam o corpo para prospectar uma possível audiência.

Se não fosse a técnica apurada e super original, a obra seria um total fracasso (pelo menos dentro do meu conceito de cinema de qualidade). Do início ao fim, artifícios inovadores de transição de cenas, trilha sonora e angulações de câmera são utilizadas freneticamente, como uma compensação pela mediocridade do roteiro. Toda a estrutura imagética do longa me remeteu a outras influências cinematográficas, principalmente da época do cinema mudo. Essa influência pode ser constatada certeiramente no prólogo da produção, quando a infância de Tom Jones é contada em preto e branco, por meio de telas negras com legendas, assim como era feito nos primeiros filmes mudos realizados, ao melhor estilo irmãos Lumière e Grifitth.

Por incrível que pareça (já que acho o filme analisado o pior entre os vencedores do Oscar de todos os tempos), As Aventuras de Tom Jones conquistou, além de Melhor Filme, os prêmios de Melhor Diretor, Roteiro Adaptado (um absurdo) e Trilha Sonora (pode até ser). Antes, no entanto, teve de concorrer com quatro outros longas (sinceramente: nenhum merecedor do prêmio): Cleópatra (Cleopatra), Uma Voz nas Sombras (Lilies of the Field), América, América (America, America) e A Conquista do Oeste (How the West Was Won).

OBS: Só para constar, retomei o filme vencedor de 1964 pois não havia conseguido assisti-lo na época em que estava vendo os filmes da década de sessenta.

AS AVENTURAS DE TOM JONES (TOM JONES)
LANÇAMENTO: 1963 (EUA)
DIREÇÃO: TONY RICHARDSON
GÊNERO: COMÉDIA/ AVENTURA
NOTA: 6,0

26 março 2011

TOP 2009 - Quem Quer Ser um Milionário?

2008 foi mais que fértil para o cinema mundial. Entre os lançamentos daquele ano que me ‘pegaram’ de jeito, posso destacar os longas Dúvida, trabalho maduro de Meryl Streep, Amy Adams e Philip Seymour Hoffman; Foi Apenas um Sonho, retorno da união entre Kate Winslet e Leonardo Di Caprio depois de Titanic; A Troca, obra que me fez acreditar em Angelina Jolie e gostar mais ainda da direção de Clint Eastwood; Austrália, um épico de aventura protagonizado por Nicole Kidman e Hugh Jackman que me fez sonhar com as lindas paisagens do país; A Partida, um dos melhores filmes estrangeiros que já vi na vida; e Vicky Cristina Barcelona, drama cômico de Woody Allen estrelado por Penélope Cruz (melhor Atriz Coadjuvante) e Javier Bardem.

As melhores produções do ano, no entanto, foram capturadas pelos olhos atentos dos jurados da Academia e indicadas ao prêmio de Melhor Filme do ano. São elas: Milk – A Voz da Igualdade (Milk), que deu a Sean Penn o título de melhor ator do ano; Frost/ Nixon, O Leitor (The Reader), que fez com que Kate Minslet ganhasse a estatueta de melhor atriz; e O Curioso Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button), com a marca impressionante de treze indicações, mas a minguada conquista de apenas três prêmios. O grande vencedor da noite, para a surpresa de todos, levou para casa oito estatuetas das dez indicações que obteve.

Estou falando de Quem Quer Ser um Milionário?, obra que lançou definitivamente aos holofotes da cinematografia mundial o diretor Danny Boyle. A produção homenageia a cultura indiana por meio de seu protagonista, Jamal Malik (Dev Patel), um hindu da periferia de Mumbai que resolve participar da versão do seu país do reality show Who Wants to Be a Millionaire?, por amor a Latika (Freida Pinto), uma amiga de infância que, assim como ele, perdeu a mãe para os revoltosos muçulmanos e ficou sozinha no mundo. Juntamente deles, destaca-se Salim Malik, irmão mais velho e ovelha negra da família de Jamal, que nunca quis saber de ganhar dinheiro honestamente ou ter preceitos morais de comportamento.

A linha narrativa do filme é tripartida entre a participação no programa e a mostra da impressionante esperteza de Jamal em responder corretamente todas as questões solicitadas, o passado do protagonista e a explicação, para o espectador, de como as respostas, coincidentemente, fizeram parte de algum momento de sua vida, e as torturas e interrogatórios intermináveis feitos a Jamal pela polícia, a fim de descobrir a verdade sobre o garoto pobre que fica cada vez mais perto de ganhar o maior prêmio concedido pelo programa.

Mesmo com um roteiro clássico e maniqueísta (personagem imaculado, inteiramente bom, sem traços de maldade), torcemos para que Jamal consiga provar sua inocência e ganhar o dinheiro, que não é tão querido para ele quanto o amor da mulher amada, mas que se torna questão de honra após tantas acusações infundadas. O maior mérito do filme (que até nos faz esquecer de alguns detalhes simplórios do roteiro) é a excelência na fotografia, edição e montagem do longa. Boyle usa cores inusitadas, angulações inusuais, cortes e passagens de cenas inesperados e uma porção de técnicas apuradas e cativantes, que fazem com que o ritmo do que se assiste nos encante e não permita que nos distraiamos facilmente.

Para quem ainda não assistiu o filme, não deixe de prestar atenção na cena final, aquela da estação de trem (sem declarar muito). Nela, conseguimos captar, além de uma tentativa de metalinguagem, a essência da cultura indiana, com sua alegria, dinamismo e esperança, mesmo com todas as dificuldades que, o mundo sabe, o país enfrenta desde sempre.

QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO? (THE SLUMDOG MILLIONAIRE)
LANÇAMENTO: 2008 (EUA/ REINO UNIDO)
DIREÇÃO: DANNY BOYLE/ LOVELEEN TANDAN
GÊNERO: DRAMA
NOTA: 9,0

25 março 2011

1/3 ESTREIA - VIP's

Wagner Moura, o mestre dos disfarces – como a Revista Bravo chamou na edição deste mês – estreia hoje nas telonas brasileiras com um multifacetado e trambiqueiro protagonista: o estelionatário Marcelo da Rocha, que ficou conhecido por se passar pelo filho do dono de uma grande empresa aérea durante um carnaval no Recife. O prazer do golpe acertou o jovem em cheio e o fez persistir no crime, aliando necessidade de sustento e alegria por poder enganar.

O estilo bipolar de interpretação que só Moura sabe imprimir em seus personagens (ora explosivo, ora contido) combina perfeitamente com o roteiro de VIP’s, que exige um protagonista-camaleão que não se limite a apenas enganar o espectador, mas também a se fundir com a própria ficção, tomando para si a realidade do mundo irreal.

VIP’s
LANÇAMENTO: 2011 (BRASIL)
DIREÇÃO: TONIKO MELO
GÊNERO: DRAMA
VONTADE: 10,0

Mais cinco lançamentos chegam hoje aos cinemas daqui. São eles:

SUCKER PUNCH – MUNDO SURREAL (Sucker Punch) EUA, 2011. Direção: Zack Snyder. Gênero: Ação. Elenco: Emily Browning, Abbie Cornish, Jena Malone, Vanessa Hudgens, Jamie Chung, Carla Gugino, Jon Hamm, Scott Glenn.
VONTADE: 9,0

SEM LIMITES (Limitless) EUA, 2011. Direção: Neil Burger. Gênero: Suspense/Drama. Elenco: Bradley Cooper, Robert De Niro, Anna Friel e Abbie Cornish.
VONTADE: 7,0

O RETRATO DE DORIAN GRAY (Dorian Gray) Reino Unido, 2009. Direção: Oliver Parker. Gênero: Suspense. Elenco: Ben Barnes, Ben Chaplin, Colin Firth, Fiona Shaw, Rebecca Hall.
VONTADE: 4,0

ATIVIDADE PARANORMAL EM TÓQUIO (Paranormal Activity: Tokyo Night) Japão, 2010. Direção: Toshikazu Nagae. Gênero: Terror. Elenco: Aoi Nakamura, Noriko Aoyama.
VONTADE: 5,0

FELIZ QUE MINHA MÃE ESTEJA VIVA (Je Suis Heureux que ma Mère Soit Vivante) França, 2009. Direção: Claude Miller e Nathan Miller. Gênero: Drama. Elenco: Vincent Rottiers, Sophie Cattani, Christine Citti.
VONTADE: 6,0

Até semana que vem com mais lançamentos aqui no 1/3 ESTREIA.

20 março 2011

TOP 2008 - Onde os Fracos Não Têm Vez

Na cerimônia do Oscar 2008, o maior vencedor da noite foi Onde os Fracos Não Têm Vez, grande projeto dos irmãos Ethan e Joel Coen, que escreveram, produziram e dirigiram este obra-prima do cinema contemporâneo. Antes de levarem a estatueta, no entanto, os cineastas tiveram que desbancar mais quatro candidatos a melhor filme daquele ano: Juno, Sangue Negro (There Will Be Blood), Desejo e Reparação (Atonement) e Conduta de Risco (Michael Clayton). Na data em que o Oscar completava 80 aninhos de existência, um faroeste funesto e cruel levou a melhor na luta pelos louros da Academia.

Mais do que um simples faroeste, Onde os Fracos Não Têm Vez destrincha o cenário que serviu de pano de fundo para as aventuras do Velho Oeste antigamente e hoje são assoladas pelos ventos da modernidade. Bom, o filme que venceu o Oscar há 3 anos vem afirmar exatamente o contrário. Vem mostrar que os fracos não tem vez no ambiente seco e inóspito dos desertos sulistas dos EUA, ambiente que interfere na conduta de quem por lá resolve adotar como sua casa. A lição central do longa é dada pelo xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones) que, a beira da aposentadoria, reclama da subversão moral que os jovens implantam na sociedade atual com suas tatuagens, piercings e modas modernosas. Como contraponto, é desafiado pelo psicopata Anton Chigurh (Javier Bardem), típico representante da frieza e insensibilidade dos assassinos que, nos ditos bons tempo por Bell, eram os pilares da lei dos homens no oeste.

Dividido entre a falta do sentimento de pertencimento da sociedade contemporâneo e a estranheza de ter de perseguir um exemplo legítimo dos tempos maniqueístas, Bell, apesar de parecer um mero coadjuvante, tem papel essencial no roteiro, que constrói um retrato realista da violência humana, mesmo que com base num personagem quase desumano de tão cruel. Acontece que para embasar sua tese, os irmãos Coen tinham de lançar mão de um vilão com uma conduta exagerada, nível que Javier Bardem conseguiu de maneira exemplar explorar em seu antagonista (pelo seu trabalho, levou a estatueta de Melhor Ator Coadjuvante para casa). A inexistência de senso de humor, o calculismo e uma moral individual e única permeiam os motivos pelos quais Anton mata indiscriminadamente (para ele, o grande objetivo de sua vida, sua missão ditada por Deus, é assassinar).

No lado mais fraco da corda fica Llewelyn Moss (Josh Brolin), um caçador nada esperto que, ao encontrar um traficante de drogas morto no meio do deserto, resolve pegar uma valise cheia de dinheiro que estava em posse do morto, mesmo sabendo que logo seria procurado por alguém para reaver os dólares. Esse alguém é Chigurh, responsável por protagonizar a principal ação da trama: uma perseguição eletrizante e sanguinolenta, que deixa de queixo caído qualquer espectador. Esse é o grande mérito do longa: conseguir ser atraente tanto para aqueles que adoram filmes de ação e suspense muito violentos, além de também agradarem os amantes do cinema de qualidade, dos filmes que, além de boas atuações, fotografias maravilhosas e histórias super interessantes, promovem discussão, reflexão e um crescimento cultural para quem os assiste.

ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ (NO COUNTRY FOR OLD MEN)
LANÇAMENTO: 2007 (EUA)
DIREÇÃO: ETHAN COEN/ JOEL COEN
GÊNERO: DRAMA
NOTA: 9,5

18 março 2011

1/3 ESTREIA - Invasão do Mundo: Batalha de Los Angeles

A cine-semana que tem início hoje reserva muitas estreias, mas nenhum lançamento apetitoso o suficiente para merecer minha pontuação máxima de VONTADE. Como sou fã convicto de filmes de alienígena, resolvi homenagear a mais nova produção dedicada e nossos amiguinhos ET’s que Hollywood preparou. Se já na bastasse o nacionalismo exacerbado dos cineastas americanos em obras dedicadas aos extraterrestres (ao mostrar a superioridade estadunidense sobre os seres de outro mundo), o longa estreante se passa no epicentro da produção mundial: Los Angeles (pra quem não sabe, cidade da qual Hollywood é distrito).

E para comprovar minha tese, o roteiro conta o início do fim do mundo a partir do momento em que criaturas desconhecidas invadem os quatro cantos do planeta para roubar nossa água (sempre com armas superiores e tecnologia mais avançada que os meros humanos). Enquanto tudo rui, uma tropa de fuzileiros navais é convocada para proteger Los Angeles. Simples e declarado assim. Que se dane o resto. O que importa é que Los Angeles (metonímia que simboliza todo o território dos Estados Unidos) fique intacta, para que a existência do mundo (que na mente americana depende da preservação dos EUA) não seja perturbada.

INVASÃO DO MUNDO: BATALHA DE LOS ANGELES (BATTLE: LOS ANGELES)
LANÇAMENTO: 2011 (EUA)
DIREÇÃO: JONATHAN LIEBESMAN
GÊNERO: AÇÃO/ FICÇÃO CIENTÍFICA
VONTADE: 9,0

Além deste, estréiam hoje nos cinemas brasileiros mais algumas produções. Acompanhe abaixo:

SEXO SEM COMPROMISSO (No Strings Attached) EUA, 2011. Direção: Ivan Reitman. Gênero: Comédia/ Romance. Elenco: Natalie Portman, Ashton Kutcher, Kevin Kline, Cary Elwes, Greta Gerwig, Lake Bell, Olivia Thirby, Ludacris.
VONTADE: 7,5

JOGO DE PODER (Fair Game) EUA, 2010. Direção: Doug Liman. Gênero: Suspense. Elenco: Naomi Watts, Sean Penn, Ty Burrell, Brooke Smith, Thomas McCarthy, Jessica Hecht, Noah Emmerich, Bruce McGill, Sam Shepard.
VONTADE: 5,5

ASSASSINO A PREÇO FIXO (The Mechanic) EUA, 2010. Direção: Simon West. Gênero: Policial. Elenco: Jason Statham, Ben Foster, Donald Sutherland, Tony Goldwyn.
VONTADE: 4,0

CÓPIA FIEL (Copie Conforme) França/ Itália, 2010. Direção: Abbas Kiarostami. Gênero: Drama. Elenco: Juliette Binoche, William Shimell e Adrian Moore.
VONTADE: 8,0

NÃO ME ABANDONE JAMAIS (Never Let Me Go) EUA/ Reino Unido, 2010. Direção: Simon West. Gênero: Drama / Ficção científica. Elenco: Carey Mulligan, Andrew Garfield, Keira Knightley.
VONTADE: 5,0

O SEQUESTRO DE UM HERÓI (Rapt) França, 2009. Direção: Lucas Belvaux. Gênero: Policial. Elenco: Yvan Attal, Anne Consigny, Marc Rioufol, André Marcon.
VONTADE: 2,0

ANIMAIS UNIDOS JAMAIS SERÃO VENCIDOS (Konferenz der Tiere) Alemanha, 2010. Direção: Reinhard Klooss Holger Tappe. Gênero: Animação. Elenco: Vanessa Redgrave (Winifred), Andy Serkis (Charles), James Corden (Billy), Dawn French (Angie), Stephen Fry (Socrates), Jim Broadbent (Winston).
VONTADE: 1,0

Semana que vem tem mais 1/3 ESTREIA. Bom fim de semana a todos.

16 março 2011

TOP 2007 - Os Infiltrados

Antes de criticar uma produção do mestre Martin Scorsese, resolvi ler algumas resenhas de Os Infiltrados, filme vencedor do prêmio máximo no Oscar 2007, que encontrei na internet (a melhor maneira de evitar escrever besteiras). Encontrei uma expressão inusual que me deixou, no mínimo, instigado: orgasmo visual. Achei super adequada para representar toda a tensão pela qual o roteiro faz passar os espectadores durante as duas horas e meia de duração do longa que faz o cineasta voltar a retratar em suas obras a máfia urbana, o caos violento que se instaura por entre os becos da cidade – sua especialidade absoluta, por meio da qual desbanca qualquer outro que ouse competir com sua direção. Foi por causa de Os Infiltrados que Scorsese finalmente (na verdade, tardiamente) ganhou seu primeiro reconhecimento da Academia, tenho sido simplesmente omitido em anos de lançamento de obras-primas como Táxi Driver, Touro Indomável e Os Bons Companheiros.

Voltando a falar do melhor filme de 2007, somos apresentados a uma intrincada teia de mentiras, traições e corrupções envolvendo o Departamento de Polícia Estadual de Boston e a máfia irlandesa que lidera as negociações comerciais da periferia da cidade. O chefe da máfia, Frank Costello (interpretado magistralmente por um pervertido, violento e engraçado Jack Nicholson), treina um garoto desde sua mais tenra idade para se tornar um grande policial que tenha predileção pela máfia e possa se tornar infiltrado de Costello para facilitar a vida dos mafiosos.

O escolhido é Collin Sullivan (um dissimulado e resignado Matt Damon), que encontra como sua maior pedra no sapato o policial aparentemente rebaixado Billy Costigan (Leonardo Di Caprio, numa das melhores atuações de sua carreira). A verdade é que, a mando de Queenan, o chefe do departamento de infiltrados da polícia, Costigan se passa por mafioso e passa a trabalhar para Costello como um de seus homens de confiança.

Sem nunca terem se visto, Costigan e Sullivan mutuamente atrapalham o trabalho do outro, num jogo de gato-e-rato impressionante. Com a intenção de anteciparem os passos do outro, máfia e polícia garantem para o espectador momentos de tensão absoluta, de êxtase, fazendo com que não consigamos tirar os olhos da tela. Scorsese foi muito feliz ao entrar de cabeça nesse projeto, que é uma adaptação livre de Conflitos Internos, produção chinesa de 2003, que não possui no entanto o vigor e a tensão criados pela versão americana.

A interpretação do elenco (que é de peso) está deslumbrante, mas acho que o grande destaque da produção fica por conta da montagem (que inclusive ganhou uma estatueta naquele ano). O ritmo frenético das conspirações do roteiro é transpassado para a estética do filme, que possui cenas duplicadas, cortes secos, rápidos e inesperados, transposição de ambientes, passagens intercaladas, enfim, uma série de atributos que garantem uma verdadeira aula de cinema durante a sessão.

A violência obviamente está presente (assim como em todos os filmes de Scorsese), mas de uma maneira que se torna necessária para compor a grandeza narrativa da produção, que não abusa do sangue para conseguir público. É um filme mais voltado para o universo masculino, mas não pode de jeito algum ser comparado com as medíocres ações à la Van Damme que, lançadas aos montes, servem apenas como canalizador de violência reprimida do espectador. Aqui, a complexidade e o aprofundamento cinematográfico falam mais alto.

Em 2007, a disputa ao prêmio de Melhor Filme do ano estava acirradíssima. É que mais quatro excelentes produções disputavam o posto juntamente com Os Infiltrados. São elas: Babel (uma das melhores obras do espanhol Alejandro Iñárritu), o épico A Rainha (The Queen), que inclusive deu a Helen Mirren o título de melhor atriz do ano, desbancando o trabalho perfeito de Meryl Streep como Miranda Priestly em O Diabo Veste Prada; o divertido Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine) e Cartas de Iwo Jima (Letters From Iwo Jima), obra da fase contemporânea do astuto Clint Eastwood, que consegue chegar a excelência como ninguém.

OS INFILTRADOS (THE DEPARTED)
LANÇAMENTO: 2006 (EUA)
DIREÇÃO: MARTIN SCORSESE
GÊNERO: DRAMA/ POLICIAL
NOTA: 9
,0

12 março 2011

TOP 2006 - Crash - No Limite

Depois de Paul Thomas Anderson analisar a sociedade americana com seu belo Magnólia e Sam Mendes destrinchar os problemas de típicas famílias contemporâneas em Beleza Americana, Paul Haggis, com o mesmo brilhantismo com o qual escreveu o roteiro de Menina de Ouro, criou Crash – No Limite, longa de 2005 que levou a estatueta de Melhor Filme do Oscar 2006 para casa. A produção é genial e supera os antecessores supracitados por não apontar soluções, mas apenas traçar uma teia intrincada de situações que leve o espectador e tirar suas próprias conclusões e, diante de uma identificação com algum dos personagens (o que acho inevitável), não ser influenciado por nenhum desfecho arbitrário que o roteiro imponha.

Diferentemente de Magnólia, as histórias que se cruzam em Crash são mais bem amarradas, são mais verossímeis e, por serem constituídas por personagens de todos os nichos sociais, agregam valor a todos os tipos de público. Assim como o título sugere, as situações vividas no longa são fruto das colisões da vida, dos encontros que nos fazem refletir sobre nossas existências e avaliar quem somos e o que estamos fazendo para melhorar a convivência com nossos contemporâneos num mundo cada vez mais individualista.

Como mote central da trama, o preconceito é o sentimento mais presente nas cenas, recheadas das mais diversas situações, que não se resumem a apenas expor as fragilidades dos personagens, mas também aflorar suas fraquezas, sugar suas culpas e gerar a expurgação do remorso de viver alienado a uma realidade imposta. Para dar vida a esses problemas do século XXI, Los Angeles, uma das cidades mais capitalistas do mundo, é o cenário ideal para expor o labirinto de frustrações de um casal negro rico, um policial autoritário e seu parceiro passivo a seus desmandos, uma família latina que sofre com a desconfiança de um empresário islâmico, brancos com preconceito dos negros, negros com preconceito dos brancos e dos próprios negros, enfim, com um realismo impressionante, somos apresentados a nosso próprio mundo, que muitas vezes nos passa despercebido, enquanto estamos presos em nossas redomas de vidro, sendo necessários “acidentes”, como os demonstrados no filme, para nos darmos conta de que estamos errados.

As atuações estão inebriantes, e até mesmo Sandra Bullock e Brendan Fraser (insossos na maioria das vezes) conseguem mostrar um talento adormecido. Além da expertise do roteiro, que também é assinado por Haggis, a edição e a fotografia estão brilhantes. Prefiro nem comentar sobre a trilha sonora por medo de ser simplista demais diante de tamanha qualidade. De modo geral, Crash é um daqueles filmes obrigatórios a todos, independentemente de sexo, cor, raça, idade ou etnia.

No Oscar 2006, além de melhor filme, Crash levou mais 2 prêmios para casa: Roteiro Original e Montagem. Uma das maiores polêmicas da noite foi a obra de Haggis ter desbancado O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain), grande favorito da noite, com oito indicações. Os dois realmente eram adversários competentes (e seria muito interessante que o romance gay entre cowboys levasse a melhor) mas evidentemente Crash ainda é superior em alguns aspectos, tendo sido uma vitória apertada, mas justa. Além destes dois, concorreram ao prêmio-mor do Oscar mais três longas. São eles: Capote, Boa Noite e Boa Sorte (Good Night, And Good Lucky) e Munique (Munich), de Steven Spielberg.

CRASH – NO LIMITE (CRASH)
LANÇAMENTO: 2005 (EUA/ ALEMANHA)
DIREÇÃO: PAUL HAGGIS
GÊNERO: DRAMA
NOTA: 9,7

11 março 2011

1/3 ESTREIA - Rango

Ultimamente os faroestes têm invadido a minha vida de maneira substancial. Desde minha sessão mais que inesquecível de Os Imperdoáveis, obra-prima de Eastwood que venceu a categoria de Melhor Filme no Oscar 1993, passei a acompanhar de perto alguns trabalhos de Sérgio Leone, o mestre italiano do bang bang, e produções de John Wayne, que imortalizou personagens memoráveis do gênero. O último foi Bravura Indômita, remake do sucesso de 1969, comandado dessa vez pelos irmãos Coen, dupla de diretores que vem conquistando público e crítica desde os anos 90.

Nessa sexta, estreia nos cinemas brasileiros a animação Rango, que mistura a fantasia do universo infantil com a aridez do Velho Oeste. A história acompanha o dilema de um camaleão (de nome idêntico ao título do filme) que fica perdido no deserto de Mojave (Califórnia – EUA) e vai parar numa vila que sofre com a falta d’água. Para fugir da implicância dos pistoleiros locais, o animal (que é dublado por Johnny Depp) tem de recorrer a seu principal instinto de sobrevivência: a camuflagem. Porém, parece que de uma forma estranha o bichinho perdeu a capacidade de se misturar ao ambiente.

RANGO
LANÇAMENTO: 2011 (EUA)
DIREÇÃO: GORE VERBINSKI
GÊNERO: ANIMAÇÃO
VONTADE: 10,0

O rol de novidades ainda conta com mais cinco lançamentos essa semana. Acompanhe:

PASSE LIVRE (Hall Pass) EUA, 2011. Direção: Bobby Farrelly e Peter Farrelly. Gênero: Comédia. Elenco: Owen Wilson, Jason Sudeikis, Christina Applegate, Jenna Fischer.
VONTADE: 4,0

MISTÉRIO DA RUA 7 (Vanishing on 7th Street) EUA, 2010. Direção: Brad Anderson. Gênero: Terror. Elenco: John Leguizamo, Hayden Christensen, Thandie Newton.
VONTADE: 8,0

EM UM MUNDO MELHOR (Hævnen) Dinamarca/ Suécia, 2010. Direção: Susanne Bier. Gênero: Drama. Elenco: Mikael Persbrandt, Ulrich Thomsen, Wil Johnson.
VONTADE: 7,0

CORPOS CELESTES. Brasil, 2010. Direção: Marcos Jorge e Fernando Severo. Gênero: Drama. Elenco: Dalton Vigh, Rodrigo Cornelsen, Carolina Holanda.
VONTADE: 3,0

DOCE VINGANÇA (I Spit on Your Grave) EUA, 2010. Direção: Steven R. Monroe. Gênero: Terror. Elenco: Sarah Butler, Chad Lindberg, Tracey Walter, Daniel Franzese.
VONTADE: 9,0

Semana que vem volto com mais um 1/3 ESTREIA. Até!

09 março 2011

TOP 2005 - Menina de Ouro

A qualidade do cinema de Clint Eastwood, desde seu último faroeste em 1992 (Os Imperdoáveis), ganha cada vez mais estilo, profundidade dramática e beleza. O cineasta de mais de 80 anos só se dedica a projetos que falam alguma coisa de si mesmo, numa espécie de filmografia autobiográfica. Alguns temas são recorrentes em suas obras, como a culpa, o remorso, o apego, o rancor, a desilusão, a saudade, a família e a expurgação dos pecados. Quanto mais sábio se torna, Eastwood aumenta sua capacidade de nos presentear com longas sinceros, delicados e extremamente bons. É uma pena que não tenha começado mais cedo, dedicando mais da sua já extensa carreira como diretor com obras-primas como Menina de Ouro, vencedor da categoria Melhor Filme no Oscar 2005.

O filme é todo poesia, permeado de detalhes do roteiro que garantem momentos inesquecíveis para o espectador e para a história do cinema, que ganha em qualidade de direção e interpretação. A riqueza e profundidade dramática fazem com que uma obra que é aparentemente centrada no boxe ganhe inúmeros contornos, impossibilitando quaisquer rótulos. Falando em boxe, é ele o catalisador dos sofrimentos dos três principais personagens: o treinador e dono de academia Frankie Dunn (o próprio Eastwood), o encarregado pela limpeza da academia e ex-pugilista Eddie Scrap-Iron Dupris (Morgan Freeman – vencedor do prêmio de Melhor Coadjuvante naquele ano) e a garçonete que sonha em competir nos ringues Maggie Fitzgerald (Hilary Swanky).

Frankie sofre com a distância física e emocional da filha, Eddie com a perda de um oho durante sua última luta e o consequente ostracismo na carreira de boxeador e Maggie busca carinho, companhia e uma forma de ajudar a família pobre (que mais tarde se mostra bem ingrata) por meio de seu sonho de ser campeã mundial. Machista e cansado da vida, Frankie não aceita treinar uma mulher quando Maggie chega em sua academia. Ela é franzina e totalmente descoordenada, mas mostra sua determinação ao longo de dias e noites que passa treinando sem parar. Dunn decide ajudá-la, e os dois, juntamente com Eddie (que mora num quartinho nos fundos da academia) se tornam tudo que eles têm na vida.

Com treinamento pesado e altas doses de companheirismo, Maggie chega ao patamar que tanto desejava, lutando ao lado da campeã do mundo de boxe. Um incidente, no entanto, muda a vida de todos, mostrando para o rabugento Frankie o verdadeiro valor das pessoas e o quanto Maggie foi responsável por colocar um pingo de esperança no coração de pedra dele. Sem assistir com os olhos de cinéfilo e conhecer a obra de Eastwood, é difícil diferenciar Menina de Ouro de qualquer outro dramalhão oitentista que só serve para derrubar lágrimas dos espectadores (o que no meu caso teria funcionado, já que chorei muito assistindo a película).

A diferença está no tratamento imagético, dramático e interpretativo que só um gênio como Clint pode fazer. Mesmo o longa não possuindo a ousadia técnica de diretores como Danny Boyle, Tarantino e Scorsese (movimentações inusitadas de câmera, angulações inovadoras, cortes imprevisíveis e montagem inusual), é uma experiência única que deve ser vivenciada o mais rápido possível por aqueles que ainda não tiveram essa oportunidade.

Na cerimônia do Oscar em 2005, Menina de Ouro conquistou 4 estatuetas das sete indicações que possuía, sendo elas filme, diretor, atriz e ator coadjuvante. Ainda concorreram ao título de Melhor Filme do ano os longas-metragens a seguir: Ray, Sideways – Entre Umas e Outras (Sideways), o scorsesiano O Aviador (The Aviator) e Em Busca da Terra do Nunca (Finding Neverland).

MENINA DE OURO (MILLION DOLLAR BABY)
LANÇAMENTO: 2004 (EUA)
DIREÇÃO: CLINT EASTWOOD
GÊNERO: DRAMA
NOTA: 9,5

07 março 2011

TOP 2004 - O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei

Não sou fã da coleção de livros (por falta de tempo para ler), desconheço várias nuances da história e faz mais de 5 anos que assisti a trilogia completa, mas posso garantir, depois de passar mais de três horas em frente a TV revendo O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, que ele é um dos melhores filmes que assisti em toda minha vida. Foi na cerimônia do Oscar de 2004 que a última parte da tripla empreitada cinematográfica encabeçada por Peter Jackson levou onze estatuetas da Academia (foi indicada em todas) se igualando, em quantidade de prêmios, aos clássicos Ben-Hur e Titanic. Somente de bilheteria foram mais de 2 bilhões de dólares, ocupando o terceiro lugar no ranking das maiores arrecadações de todos os tempos.

A história, criada pelo britânico J. R. R. Tolkien nas décadas de 30 e 40 do século passado, chega ao seu fim quando os hobbits Frodo e Sam finalmente alcançam a Montanha da Perdição, nas terras de Mordor, a fim de destruir o Um Anel, devolvendo aos homens o poder da Terra-Média, roubado por Sauron. São tantos detalhes, como nomes de pessoas e lugares, que não seria possível, nem interessante, dedicar muito tempo em características do roteiro, até porque a maioria dos que estão lendo já assistiram o filme e só estariam se informando de algo já sabido (não desmerecendo o trabalho dos roteiristas, que é estupendo – prova foi a premiação de melhor roteiro adaptado em 2004).

Vou, por este motivo, concentrar-me nas belezas da produção que nos saltam aos olhos e à mente assim que somos transportados às aventuras das criaturas fantásticas da Terra-Média. As cenas de guerra, extremamente bem ambientadas numa realidade que se assemelha a nossa Idade Média, são perfeitas, recheadas de uma sincronia impressionante entre elenco vivo e criações computadorizadas e gigantescas, colossais. Quem já havia se impressionado com as centenas de figurantes nos combates realizados nos dois primeiros longas não imagina que, numa superação sem precedentes, a equipe técnica da parte final da trilogia cria imensidões de tropas, que se perdem aos olhos do espectador, e nos impressionam com sua veracidade.

Não podia ser diferente. Se em outras tentativas a última parte de uma trilogia nunca conseguiu superar a qualidade de seus antecessores, em O Senhor dos Anéis Peter Jackson não só conquistou esse feito, como também pôs O Retorno do Rei na lista das melhores obras cinematográficas de todos os tempos. Se não dou 10,0 para o filme, é porque dentre todos os gêneros, o épico não consegue fazer com que a minha identificação com o filme seja completa, mas em nada esse argumento pessoal tira o preciosismo do longa. Quem por motivo ou outro ainda não teve a oportunidade de verificar com os próprios olhos a grandeza de O Senhor dos Anéis, não pode perder mais tempo.

Falando sobre a votação da Academia em 2004, ela concedeu 11 oportunidades de que O Senhor dos Anéis levasse uma estatueta. E não é que os eleitores entraram na jogo e premiaram a obra com todas os onze prêmios de que dispunham? Não sobrou para ninguém. Exceto as premiações de atuação, que nem sequer indicaram alguém do elenco para a pendenga, quase todos os outros titulos foram conquistados pela obra máxima de Peter Jackson. Coitadas das produções que, realizadas ao longo de 2003, tiveram que disputar com O Senhor... para levar para casa algum prêmio.

No caso dos candidatos à categoria Melhor Filme, os perdedores foram: Encontros e Desencontros (Lost in Translation), de Sofia Coppola; Seabiscuit – Alma de Herói (Seabiscuit), Mestre dos Mares: O Lado Mais Distante do Mundo (Master and Commander: The Far Side of The World) e uma das obras- primas de Clint Eastwood: Sobre Meninos e Lobos (Mystic River).

OBS: Peter Jackson já começou o processo de produção de O Hobbit, que na literatura vem cronologicamente antes do primeiro O Senhor dos Anéis. A história será dividida em dois longas, que serão lançados, respectivamente, em dezembro de 2012 e 2013, e prometem ser tão bons ou melhores que a trilogia que lançou o diretor no rol de bam-bam-bans do cinema.

O SENHOR DO ANÉIS: O RETORNO DO REI (THE LORD OF THE RINGS: THE RETURN OS THE KING)
LANÇAMENTO: 2003 (EUA/ NOVA ZELÂNDIA)
DIREÇÃO: PETER JACKSON
GÊNERO: AÇÃO/ AVENTURA/ DRAMA
NOTA: 9,9

06 março 2011

TOP 2003 - Chicago

Se me dão o direito de divagar e até ser um pouco petulante, acho que a Academia não pode conceder premiações para simplesmente alimentar sua política de compensações. Caso não tenha sido entendido, refiro-me às estatuetas lançadas nas mãos daqueles que não mereciam estar ali naquela ocasião, mas sim no ano anterior e, por motivo ou outro, foram injustiçados, tendo que aguardar mais doze meses para botar a mão no que, de direito, perderam. Essa prática, no entanto, é prejudicial para as obras que deixam de ser prestigiadas para dar lugar aos injustiçados, uma vez que, mesmo merecedoras, são relegadas ao limbo cinematográfico do esquecimento.

Na prática, pudemos acompanhar recentemente essa canalhice quando Colin Firth não levou o título de melhor ator do ano pelo trabalho soberbo que desenvolveu em Direito de Amar (2010), abocanhando, na última semana, a estatueta pela atuação não mais que decente no superestimado O Discurso do Rei. Outro caso ocorreu no biênio 2002/2003, quando Moulin Rouge – Amor em Vermelho perdeu para Uma Mente Brilhante no ano par, arrastando para 2003 a oportunidade de um musical – um dos gêneros mais esquecidos do cinema – renascer para o gosto do público e crítica. A vitória de Chicago como melhor filme corrobora a idéia de que produções medianas têm espaço no topo do pódio, mas só às custas de injustiças que vitimizaram filmes competentes.

Os eleitores reservaram para Chicago o excesso de 13 indicações, que renderam 6 estatuetas para a obra, incluindo Filme, Atriz Coadjuvante para Catherine Zeta-Jones, Figurino, Montagem, Som e Direção de Arte. Motivo provável? No ano anterior, o filme responsável por reviver o gênero musical, Moulin Rouge, levou apenas dois prêmios técnicos, deixando com um ranço de remorso os membros da Academia que, mesmo lidando com fortes concorrentes ao prêmio máximo na premiação de 2003, entregaram nas mãos de Chicago a estatueta-mor.

O Pianista (The Pianist), As Horas (The Hours), Gangues de Nova Iorque (Gangs of New York) e O Senhor dos Anéis: As Duas Torres (The Lord of The Rings: The Two Towers). Esses foram os adversários que não conseguiram bater o musicaleco passado nos anos 20 que conta a história de Roxie Hart (Renée Zellweger) e sua busca desenfreada por fama após assassinar o próprio amante. Na cadeia conhece a vedete Velma Kelly (Catherine Zeta-Jones), que também busca absolvição por homicídio duplo (matou a irmã e o marido após descoberta de traição).

Juntas, e ainda acompanhadas pelo advogado charlatão Billy Flynn (Richard Gere), oportunista nato, as duas imaginam inúmeras (e até excessivas) situações que são musicadas e se transformam em números dançantes à la cabaré. Os sonhos frequentes povoam o imaginário das outras detentas, que entram na dança junto das protagonistas. E isso é Chicago: simplesmente uma reprodução do que víamos antes, nos anos 40 e 50, época de ouro dos musicais. Sem o minimo de preocupação em atualizar temas, estilos e ideias, é meramente assistível.

CHICAGO
LANÇAMENTO: 2002 (EUA)
DIREÇÃO: ROB MARSHALL
GÊNERO: MUSICAL
NOTA: 6,0

05 março 2011

TOP 2002 - Uma Mente Brilhante

Brilhante. Esse é o adjetivo ideal para representar as inúmeras qualidades do vencedor do Oscar 2002 na categoria Melhor Filme: Uma Mente Brilhante. Brincadeiras com o título do longa a parte, ele é carismático a ponto de prender a atenção de qualquer espectador ao longo das mais de duas horas de duração. A trama central permeia (quase) toda a vida de John Nash, matemático famoso por ter levado o Nobel de 1994 devido a suas idéias revolucionárias na área de planejamento estratégico-militar e pela competência em achar padrões numéricos de comportamento em atividades cotidianas, como movimentos de pombos, descobertas que influenciam teorias econômicas até hoje. Nash passou os anos 40 e 50 buscando uma idéia original que o levasse a se destacar entre os colegas, que o fizesse ser amado por meio de uma socialização mais efetiva. Ele conseguiu, mas abrindo mão de sua plena saúde mental, tendo desenvolvido um grave estado de esquizofrenia.

O longa se presta a contrastar a relação entre as limitações mentais e a genialidade do protagonista, que em certo ponto da história desconhece a diferença entre o que é real e imaginário, quem são as pessoas que realmente se preocupam ou aquelas que, imaginadas pelo subconsciente afetado, existem apenas para confundir a noção de realidade de John. Nós, como espectadores, somos inseridos na trama de uma tal forma que vivemos sua doença e nos confundimos com suas confusões. Outro mérito da obra é que ela não se preocupa em manter em segredo as surpresas do roteiro, que são lançadas assim que a história exige, construindo, mesmo dessa forma, um ritmo pulsante e ágil.

Um dos grandes responsáveis pelo êxito de Uma Mente Brilhante é Russell Crowe, que dá vida a um típico intelectual recluso, sem a mínima capacidade de socialização . Os trejeitos criados pelo ator (que geralmente se presta a personagens parrudos e insensíveis) são extremamente sutis e caracterizam com humanidade impressionante a imagem do matemático biografado. Infelizmente Crowe perdeu o título de melhor ator do ano para Denzel Washington (Dia de Treinamento), que também fez um ótimo trabalho, mas nada comparado ao preciosismo de Russell.

Além de filme, Uma Mente Brilhante levou para casa as outras três indicações que obteve (diretor para Ron Howard - O Código da Vinci, Cocoon – atriz coadjuvante para Jennifer Connelly – que interpretou Alicia, esposa de Nash – e roteiro adaptado). Falando um pouco sobre Connelly, além de seu talento, os dois olhos azuis que a atriz juvenil carrega foram essenciais para cativar público e crítica. O sofrimento pelo qual sua personagem passa (presa entre o fim do amor pelo marido doente e a responsabilidade de continuar ao lado dele) constitui uma complexidade dramática que Jennifer conseguiu captar e transpor para a tela de forma exuberante.

Como o roteiro se passa entre os anos 40 e 90, o trabalho de maquiagem teve de envelhecer (e muito) a maioria dos personagens, desafio vencido da melhor maneira possível pela equipe técnica, que não recebeu o prêmio de melhor maquiagem daquele ano (explicação: concorreu com O Senhor dos Anéis) mas produziu um trabalho histórico para o cinema. Os concorrentes de Uma Mente Brilhante na categoria Melhor Filme foram: Moulin Rouge – Amor em Vermelho (Moulin Rouge!), Entre Quatro Paredes (In The Bedroom), Assassinato em Gosford Park (Gosford Park) e O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel (The Lord of The Rings: The Fellowship of The Ring).

UMA MENTE BRILHANTE (A BEAUTIFUL MIND)
LANÇAMENTO: 2001 (EUA)
DIREÇÃO: RON HOWARD
GÊNERO: DRAMA
NOTA: 9,0

04 março 2011

1/3 ESTREIA - Lope

“Eu, Tu, Eles” e “Casa de Areia”, as duas produções mais reconhecidas da filmografia do diretor carioca Andrucha Waddington, juntam-se a Lope, mais novo longa dirigido pelo cineasta, que trocou o Brasil pela Espanha para contar a história do poeta e dramaturgo Félix Lope de Vega. No final do século XVI, ao retornar da guerra, ele passa a escrever comédias e vendê-las em Madrid para se sustentar, até o momento em que, me meio a aventuras amorosas proibidas, conhece um grande amor.

Todo falado em espanhol, o longa conta com atuações de nossos conhecidos Sônia Braga e Selton Melo, além de um rico elenco espanhol. É o primeiro do gênero (biografia épica) a ser encabeçado por um brasileiro e tem tudo para fazer sucesso por aqui (ganhou vários prêmios na Europa, onde passou por festivais antes de cruzar o equador). À la Shakespeare Apaixonado (mas de qualidade superior, segundo especulações – tomara), Lope busca teatralizar os fatos reais e mostra o preciosismo do trabalho de Waddington e sua equipe.

LOPE
LANÇAMENTO: 2010
DIREÇÃO: ANDRUCHA WADDINGTON
GÊNERO: DRAMA/ ROMANCE
VONTADE: 8,0

E não para por aí. O final de semana de ressaca do Oscar reserva mais três lançamentos para os cinéfilos de plantão. Lá vai:

ESPOSA DE MENTIRINHA (Just Go With It) EUA, 2010. Direção: Dennis Dugan. Gênero: Comédia. Elenco: Jennifer Aniston, Adam Sandler, Brooklyn Decker.
VONTADE: 4,0

GNOMEU E JULIETA (Gnomeo and Juliet) EUA/ Reino Unido, 2011. Direção: Kelly Asbury. Gênero: Animação/ Comédia. Elenco: Jason Statham, James McAvoy, Matt Lucas, Ozzy Osbourne, Michael Caine, Stephen Merchant, Emily Blunt.
VONTADE: 2,0

VOVÓ...ZONA 3 – TAL PAI TAL FILHO (Big Mommas: Like Father, Like Son) EUA, 2011. Direção: John Whitesell. Gênero: Comédia. Elenco: Martin Lawrence, Emily Rios, Faizon Love.

VONTADE: 0

Semana que vem tem mais. Até lá. Bom carnaval a todos.

02 março 2011

TOP 2001 - Gladiador

O grande vencedor do primeiro Oscar do milênio na categoria Melhor Filme deu para os espectadores a mesma sensação que os antigos romanos obtinham quando, extasiados pela diversão sanguinolenta, assistiam aos massacres injustos entre gladiadores e seus adversários, na maior parte das vezes mais fortes que eles. É a tal da dobradinha pão e circo, que mantinha as governanças opressoras com o consentimento popular mediante políticas públicas assistenciais e divertimento barato (mais ou menos o que o Lula tentou implantar nos últimos oito anos, respeitadas as devidas proporções).

Está óbvio que falo de Gladiador, uma das obras mais fracas da carreira do diretor Ridley Scott, que abocanhou cinco estatuetas na edição 2011 do Academy Awards, incluindo Melhor Filme, Ator e prêmios técnicos, como Figurino, Efeitos Visuais e Som. O épico tem lá suas qualidades, mas peca (e muito) na composição de um quadro de histórias de vida reais mescladas com a ficção. Pode até ter sido de propósito, mas acho que essa mistura interferiu um pouco na recepção e na fruição dos espectadores.

Outra injustiça cometida foi a premiação de Russell Crowe como melhor ator do ano, tendo ele concorrido com os superiores (naquela circunstância) Tom Hanks (por Náufrago), Javier Bardem (por Antes do Anoitecer) e Geoffrey Rush (por Contos Proibidos do Marquês de Sade). Crowe deveria ter ganhado a mesma estatueta apenas um ano depois, pela atuação em Uma Mente Brilhante, o que não aconteceu. Como o ex-general romano que é acusado de traição, condenado à morte, mas que escapa e inicia uma jornada de vingança contra seu algoz (o próprio imperador), Russell está operacional, numa atuação verticalizada, uniforme, sem dinamismo. Em se tratando da vitória da estatueta de Melhor Filme, até que os outros candidatos foram desbancados justamente, como você pode conferir a seguir. Foram eles: Traffic, Erin Brockovich – Uma Mulher de Verdade (Erin Brockovich), O Tigre e o Dragão (Wo Hu Cang Long) e Chocolate (Chocolat). Entre os indicados, vamos combinar que Gladiador é o que consegue ser mais completo.

Mesmo assim, oferece nada mais do que diversão e imagens bonitas para o espectador, que não tem nem vontade de torcer pelo sucesso do protagonista, como aconteceu com William Wallace em Coração Valente, por exemplo. Faltou a criação de uma identificação maior dos receptores com os personagens, que são representados de um modo frio, maniqueísta, isento de proximidade com quem os assiste. A atratividade das lutas no Coliseu sem dúvida funciona, principalmente quando me refiro à predileção de certas pessoas por entretenimento gratuito, sem profundidade artística.

Revelando um pouco do roteiro, Gladiador conta a história de um gladiador (ooohhhh!) que busca a vingança após sua condenação a morte e o assassinato de sua família. Antes do novo ofício, Maximus (Crowe) era um general importante do exército romano, braço direito e provável herdeiro do trono após a morte de Marcus Aurelius, fato de desagrada o herdeiro oficial do trono, Commodus (Joaquin Phoenix), que resolve adiantar o fim da vida do pai antes do anúncio de Maximus como novo imperador. Além disso, condena o rival à morte e enforca esposa e filho do protagonista. Sozinho no mundo, Maximus consegue fugir, mas não vê sentido em mais nada a não ser se vingar do assassino de sua família. Aos poucos se consagra como gladiador, sob o pseudônimo de espanhol, e gradativamente chega mais perto de Commodus.

GLADIADOR (GLADIATOR)
LANÇAMENTO: 2000 (EUA/ REINO UNIDO)
DIREÇÃO: RIDLEY SCOTT
GÊNERO: AÇÃO/ DRAMA
NOTA: 7,5

27 fevereiro 2011

1/3 ESTREIA - Bruna Surfistinha

Desde o ano passado, especula-se sobre a livre adaptação cinematográfica do livro O Doce Veneno do Escorpião, obra máxima de Raquel Pacheco, mais conhecida como Bruna Surfistinha. O longa finalmente saiu, tendo seu elenco encabeçado por Deborah Secco, que vive na pele as delícias e desprazeres de ser uma prostituta-celebridade. A verdadeira Bruna parece ter gostado do resultado (como apontou em entrevista para a Gabi no último domingo), não vendo em alguma outra atriz que não Secco a melhor escolha para encarná-la nas telonas.

No final de semana em que estreia uma cinebiografia do franjudo Justin Bieber, é fácil achar motivação para pagar o ingresso de qualquer outro longa que esteja em cartaz. Não que esteja desanimado com Bruna Surfistinha, mas é fato que filmes de diretores estreantes (nesse caso Marcus Baldini) e ainda por cima nacionais sejam subvalorizados pelo grande público. Eu estou apostando minhas fichas.

BRUNA SURFISTINHA
LANÇAMENTO: 2011 (BRASIL)
DIREÇÃO: MARCUS BALDINI
GÊNERO: DRAMA
VONTADE: 10,0

Essa cine-semana ainda possui outros dois lançamentos. São eles:

DESCONHECIDO (Unknown) EUA/Reino Unido, 2010. Direção: Jaume Collet-Serra. Gênero: Suspense. Elenco: Liam Neeson, January Jones, Diane Kruger, Bruno Ganz, Frank Langella.
VONTADE: 9,5

JUSTIN BIEBER – NEVER SAY NEVER (Never Say Never) EUA, 2010. Direção: Jon Chu. Gênero: Musical.
VONTADE: 0

A postagem está atrasada por alguns problemas que tive na sexta. Semana que vem tudo volta ao normal. Até lá.

19 fevereiro 2011

TOP 2000 - Beleza Americana

Muito se fala na inconsistência das relações interpessoais de nossa época. A contemporaneidade trouxe o afrouxamento e a superficialidade do que se fala, do que se escuta e do que se troca. Nesse âmbito, as manifestações culturais surgem para corroborar essa tese, disseminando a mesma sensação de impotência e de passividade a que somos acometidos todos os dias. O cinema não fica de fora desse filão e sempre aparece com uma ou outra produção que usa da desgraça alheia para nos atentar para a o deslumbramento excessivo e uma potencial geração de sub-humanos. No caso de Beleza Americana, do diretor Sam Mendes, a sociedade moderna americana é o alvo de críticas afiadas que nos fazem refletir sobre o verdadeiro sentido da vida.

Somos apresentados à conturbada família de Lester Burham (Kevin Spacey), um publicitário entediado com o emprego e com a vida que leva. Casado com a infiel Carolyn (Annette Bening) e pai de Jane (Tora Birch), o protagonista inicia o filme com uma narração em off pós-mortem que revela seu assassinato dentro de um ano, mas com a confissão de que já se sente morto naquele momento. Aos poucos, soluções para dar um up em sua depressiva existência vão surgindo, como o uso de drogas, o pedido de demissão somado a um suborno milionário no patrão e malhação excessiva para impressionar a amiga gostosa da filha.

Diferentemente de um roteiro usual (que se propõe a ter um início, um meio e um fim, mesmo que não linearmente), o longa busca apresentar problemas para que nós, espectadores, façamos nossas ponderações de acordo com a comparação das situações apresentadas com nossas próprias experiências. Assim como “Crash – No Limite”, “Magnólia” e “Babel”, Beleza Americana mescla esquisitices para construir um retrato de uma realidade perturbada por algum tipo de mal.

A ironia de Mendes é perceptível desde o título do filme (American Beauty, uma espécie de rosa comum nos Estados Unidos, que funciona como contraponto do caos pelo qual passam os personagens) até as situações exageradas criadas pelo roteiro, capazes de chocar a primeira vista, mas não mais do que radiografias da realidade atual de um mundo capitalista e virtualizado. Todos os personagens e ações são estereotipados (e, por isso mesmo, exagerados) mas, como já revelei (e nunca é demais elogiar o que é bom) apenas demonstram, de forma orgânica e visceral, o cruel mundo em que vivemos e do que as pessoas são capazes para serem felizes, ou esconderem que não são.

Trilha sonora, atuação dos protagonistas e a cena da cama de rosas na qual a amiga de Jane aparece nos delírios de Lester são apenas alguns dos destaques deste vencedor de cinco das oito estatuetas do Oscar nas quais concorreu em 2000. Além dele, entraram na lista de Best Of The Year os longas O Informante (The Insider), Regras da Vida (The Cider House Rules), À Espera de Um Milagre (The Green Miles) e o arrepiante O Sextto Sentido (The Sixth Sense).

BELEZA AMERICANA (AMERICAN BEAUTY)
LANÇAMENTO: 1999 (EUA)
DIREÇÃO: SAM MENDES
GÊNERO: DRAMA
NOTA: 9,0