11 maio 2010

A fuga da Terra Prometida




“A primeira vez que vi uma mulher tinha onze anos e me surpreendi subitamente tão desarmado que desabei em lágrimas. Eu vivia num ermo habitado apenas por cinco homens. Meu pai dera um nome ao lugarejo. Simplesmente chamado assim:” Jerusalém “. Aquela era a terra onde Jesus haveria de se descrucificar. E pronto, final”.




O primeiro parágrafo de Antes de Nascer o Mundo, mais novo romance de Mia Couto, bem representa tanto a trama a qual se desenrola as vidas do patriarca Silvestre Vitalício e seu clã exilado nos recônditos moçambicanos, quanto a linguagem única do gajo escritor/biólogo de apelido Mia (pela predileção declarada pelos gatos), considerado fidelíssimo representante da literatura africana contemporânea, através da transparescência, em sua escrita, da relação umbilical que cultiva com a terra.

A primeira pessoa que narra o trecho descrito (e todo o restante da obra) é Mwanito, o filho mais novo de Vitalício e habitante caçula de Jerusalém, a terra prometida criada pela culpa e pela possibilidade de redenção dos pecados humanos, oriundos do mundo morto, ou melhor, assassinado pela corrupção humana. Segundo a política ditatorial que governa a nação Jerusalém, não há vestígio de humanidade na Terra senão aquelas cinco vidas que dividem o mundo surreal idealizado pelo ditador.

Assim como Mwanito, seu irmão mais velho, Ntunzi, o meio irmão da mãe morta, Tio Aproximado e Zacaria Kalash, ex-militar e empregado sempre fiel de Vitalício, compartilham da loucura de “vagalumear, acesos apenas por breves intermitências”, o que corresponde à cruel e imposta rotina de continuar vivendo, “envelhecer evaporado em mim, como um véu esquecido num banco de igreja”.

Mia Couto divide sua obra em livros, nos quais apresenta toda a humanidade de Jerusalém, ou seja, os cinco habitantes; narra o aparecimento de Marta, o resquício do “Lado-de-Lá” que irá desestruturar a letargia instaurada no vilarejo; e conta as revelações de um mundo esquecido pela ação do tempo, ou desconhecido pela relação íntima com o afastamento. Para intensificar a carga poética do romance, o autor insere, em cada início de capítulo, trechos de poemas de colegas pensadores, como Hilda Hilst, Sophia Andresen, Jean Baudrillard, Adélia Prado e Alejandra Pizarnik, além de desempenhar seu potencial de poeta ao longo da prosa.

No primeiro livro do livro, o autor desenvolve a construção dos personagens, para que possamos entender suas ações ao longo da trama. Desde Mwanito, narrador oficial da história, até Jezibela, a jumenta responsável por “afogar os devaneios sexuais do velho pai”, Mia Couto (o da foto abaixo) enreda, com criatividade e eficiência, sua obra. Marcas do estilo do autor podem ser evidenciadas por meio dos neologismos criados, que aproximam Mia de autores como Guimarães Rosa, e pelo universo fantástico e improvável no mundo real (a vida em uma Jerusalém, por exemplo), mas repleto, ao mesmo tempo, de verossimilhança, no que concerne a capacidade de assimilar conceitos de política, sociologia, antropologia e ecologia presentes no texto (sua forma de transformar o fantasioso em real lembra um pouco os textos de Gabriel Garcia Marquez).

A “morte sem luto” criada pela permanência em Jerusalém é ressuscitada com o aparecimento de Marta, uma portuguesa que anseia encontrar o marido fotógrafo encantado com os prazeres e as desgraças da África, mas que acaba encontrando na imensidão deserta da fortaleza de Vitalício uma razão para viver, um caminho para sua busca existencial. Mesmo longe do amor de sua vida, é a ela própria que acaba se encontrando.

Mas sua permanência nessa fonte de purificação depende da flexibilidade do inflexível Silvestre Vitalício, que age severamente para que a “puta”, assim como considera todas as mulheres do mundo, saia de seu suposto domínio territorial, e o deixe vegetar em paz com sua nação fracassada. O jogo de poder entre a sutil influência de Marta e o abuso de Silvestre faz com que a repressão se instaure de vez (assim como acontece num sistema de governo quando da influência de um fator externo que prejudique o funcionamento regular do sistema).

O povo de Vitalício se vê na oportunidade de voltar ao mundo real e, em contrapartida, sofre com a postura autoritária do governante. Será que é hora de “desbatizar-se” e retomar a vida, como se Jerusalém fosse apenas um sonho (ou pesadelo) que passou pela vida de cada um? Mas será que eles ainda têm uma vida fora daquela terra? Para Mwanito, que saiu da cidade ainda bebê, realmente não existe nada nem ninguém fora dos limites da visão e dos ensinamentos de um pai que dá mais atenção à jumenta amante do que aos filhos. Para ele, toda sua vida até o momento se passou antes do nascer do mundo.

Por meio deste questionamento constante, Mia Couto vai tecendo sua trama ao longo da mentira, da ilusão de um mundo imaginário e da ingenuidade de um garoto que sonha em ter uma identidade, descobrir seu passado, ter um futuro, um nome, ser alguém. O mistério em torno da morte de Dordalma, mãe dos garotos, acompanha a história, e o leitor por vezes pensa que Vitalício se trata de um assassino, ou que ela se matou.

O mistério acaba no fim do livro, mas a sensação de sublimação continua no inconsciente de cada leitor, que se envolve com a história de uma família/nação que enfrenta a solidão e a superpopulação ao mesmo tempo, tendo que encontrar saídas para não enlouquecer com tamanho paradoxo. A leitura de Antes de Nascer o Mundo é uma viagem inesquecível aos confins da África, sensação que pode ser evidenciada pelos termos estritamente regionais usados pelo autor, como a mania de usar o sufixo “ito” no final das palavras no diminutivo, como “caladito” e “humanidadezita”.

Outra marca do estilo do autor presente na narrativa é a inversão sintática nas orações interrogativas, nas quais Mia primeiro responde uma indagação para depois revelar que personagem foi o responsável por tal expressão. Além disso, inteiramente inebriado pelas causas naturais, o autor permanece retratando a natureza em suas obras, com o mesmo entusiasmo e paixão com que conduziu Terra Sonâmbula (1992), Vozes Anoitecidas (1986) e Chuva Pasmada (2004), além de outros contos, romances e poemas dedicados a narrar, com o estilo “coutiano” de ser, os ciclos da natureza com os olhos do biólogo que é, mas com o coração de poeta.

ANTES DE NASCER O MUNDO - JERUSALÉM
Autor: Mia Couto
Editora: Companhia das Letras
Lançamento: Brasil (2009)
Páginas: 280
Preço: 42,00
Nota: 10,0

07 maio 2010

1/3 ESTREIA - A Hora do Pesadelo

A partir de hoje, toda sexta, aqui no 1/3, é dia do projeto "1/3 ESTREIA". Sugiro, a partir das estreias de cinema de cada semana, a que mais me apetece, a que mais me influencia a investir meu rico dinheirinho em duas horas numa sala escura. Se é o melhor filme, pouco me importa (e também nem tenho como saber antes de assistir) mas, como o blog é meu, eu faço o que eu quiser (aqueles mais mal educados!). Além disso, dou notas de 0 a 10 para minha vontade de assistir a todas as estreias da semana.

Hoje dedico meu espaço ao novo remake de terror das telonas: A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street), que conta (ou melhor, reconta) a história de Freddy Krueger, um assassino serial que descobre nos sonhos de suas vítimas um canal eficiente para a matança. Criado na década de oitenta pelo diretor Wes Craven, Freddy atormenta a vida de quem não consegue se conter e cai no sono. Carma em toda produção de terror, alguns jovens (Ahh!!) passam a dividir o mesmo sonho que, aos poucos, se torna um pesadelo: a influência subconsciente do assassino passa a afetar a vida real dos garotos.

Para os saudosistas e adoradores do terror (geralmente as duas características não coexistem), o clássico adaptado deve ser apreciado. Portanto, agende uma sessão (de preferência noturna) para conferir A Hora do Pesadelo o mais rápido possível, antes que a vontade invada seus sonhos e traga, junto dela, uma presença inesperada, se é que você me entende.

A HORA DO PESADELO (A NIGHTMARE ON ELM STREET)
LANÇAMENTO: EUA (2010)
DIREÇÃO: SAMUEL BAYER
GÊNERO: TERROR
VONTADE: 10,0

Além de A Hora do Pesadelo, estreiam hoje:

QUERIDO JOHN (Dear John) EUA, 2010. Direção: Lasse Hallström. Elenco: Channing Tatum, Amanda Seyfried, Richard Jenkins. Duração: 105 min.

VONTADE: 5,0

O MUNDO IMAGINÁRIO DO DR. PARNASSUS (The Imaginarium of Dr. Parnassus) EUA, 2009. Direção: Terry Gilliam. Elenco: Heath Ledger, Lily Cole, Johnny Depp, Jude Law, Colin Farrell. Duração: 122 min.

VONTADE: 8,5

VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO, Brasil, 2009. Direção: Karen Arinous e Marcelo Gomes. Duração: 75 minutos.

VONTADE: 4,0

SEGURANÇA NACIONAL, Brasil, 2009. Direção: Roberto Carminati. Elenco: Thiago Lacerda, Ângela Vieira, Milton Gonçalves, Márcio Rosário. Duração: 87 min.

VONTADE: 5,5

LUZES NA ESCURIDÃO (Lights in the Dusk) Finlândia, 2006. Direção: Aki Kaurismäki. Elenco: Janne Hyytiäinen, Maria Järvenhelmi, Maria Heiskanen. Duração: 80 min.

VONTADE: 0

POLÍCIA, ADJETIVO (Politist, Adjectiv) Romênia, 2009. Direção: Corneliu Porumboiu. Elenco: Dragos Bucur, Vlad Ivanov, Ion Stoica. Duração: 115 min.

VONTADE: 0

MISSÃO QUASE IMPOSSÍVEL (The Spy Next Door) EUA, 2009. Direção: Brian Levant. Elenco: Jackie Chan, Lucas Till, Amber Valletta. Duração: 94 min.
VONTADE:
Dá pra ser negativa?

Semana que vem tem mais!

Bom fim de semana e boas sessões!

06 maio 2010

TOP 1930 - Melodia da Broadway

O ano de 1930 foi excepcional para a Academia. Entre abril e novembro, houve duas cerimônias de premiação do Oscar, uma no dia 03 de abril (da qual falarei hoje, que contemplou os filmes de 1928 até metade de 1929) e outra no dia 05 de novembro (responsável por avaliar os filmes do final de 29). As doze categorias premiadas no primeio Oscar se reduziram a apenas sete, e o número de indicados aumentou de três para cinco filmes.

Entre a aventura O Peso da Lei , o western No Velho Arizona, a cinebiografia Alta Traição e a comédia musical The Hollywood Revue of 1929, quem levou a melhor foi o primeiro musical totalmente falado da história do cinema: A Melodia da Broadway. A história, obviamente, se passa no badalado bairro novaiorquino, que recebe as irmãs Mahoney, dançarinas do interior, que buscam oportunidades na cidade grande. Hank Mahoney (Bessie Love, indicada ao prêmio de melhor atriz naquele ano) é noiva de Eddie Kearns (Charles King), compositor e cantor de musicais, que promete fazer com que a noiva e a cunhada sejam um sucesso na Broadway.

Queenie Mahoney (Anita Page), a irmã mais nova, é demasiadamente protegida por Hank, que age como mãe para a parenta, defendendo-a com unhas e dentes de qualquer situação constrangedora. É por meio da nova composição de Eddie (a canção The Broadway's Melody) que o filme se desenrola. O novo musical do senhor Francis Zanfield (Eddie Kane), magnata da indústria musical de New York, se aproxima, e as irmãs Mahoney farão de tudo para conquistar vagas no espetáculo. Entre idas e vindas, as irmãs descobrem como funciona o mundo dos musicais, ao mesmo tempo em que enfrentam as dores do amor triangular de Eddie, que, após anos sem ver Queenie, descobre nela uma mulher, diferentemente da criança de antes.

Primeiro campeão falado do Oscar, Melodia da Broadway desenvolve, em relação ao primeiro longa contemplado pela Academia, uma linguagem mais cinematográfica (se o compararmos com o que conhecemos de cinema atualmente). Longos travellings de Nova York marcam o início e o fim da obra, a atuação é mais verossímel que os longas mudos (pelo poder que o artifífio da oralidade concede) e os cortes de cena marcam o tempo com mais eficiência que Asas, mesmo que ainda precariamente.

Digo que são precários porque os cortes são secos demais, evidenciando falta de experiência, ou visão cinematográfica, do diretor Harry Beaumont (é simples: ele não tinha como se amparar em outros exemplos, já que o cinema estava no início de seu desenvolvimento. Deve ser por isso que nunca mais dirigiu filme algum!!). Além de secos, geralmente dividem duas cenas desconexas (mas esse já um problema do roteiro mal escrito).

Característica do cinema mudo, a tela de legenda ainda aparece aqui, mas agora para revelar de onde se passará a cena seguinte, como, por exemplo, "Do hotel em que as irmãs Mahoney estão hospedadas". Este artifício, a meu ver, não contribui com a racionalidade do espectador, que ganha tudo mastigado, não havendo necessidade de se concentrar para entender o que acontece naquele momento no filme (mais um primitivismo cinematográfico).

A trilha sonora foi bem escolhida, com toques de jazz e blues dançante, mas apenas acompanha os números musicais, não havendo ambientação nos trechos de interpretação. Fiquei em dúvida se se tratava de um musical propriamente dito ou apenas um drama musical, uma vez que a maioria das músicas é feita no palco, por meio dos ensaios de um espetáculo, que será encenado mais pra frente. É a partir da musicalização de uma declaração de amor de Eddie para Queenie que admito se tratar de um primo distante da Noviça Rebelde (bem distante, por sinal).

Para finalizar, as atuações. Elas continuam incontidas, como no ano anterior, mas com a diferença de serem mais reais. Os atores continuam se valendo do exagero de expressões para dar mais comicidade ao ato de atuar (mesmo que não seja uma comédia). No caso de Melodia da Broadway, a influência das chanchadas (que começavam a perder a timidez no mercado do cinema, mas, mesmo assim, não tinham voz nem vez junto a Academia) é evidente, através de passagens hilárias (à la Praça é Nossa) e de caras e bocas do ator Jed Proty, que interpreta o tio Jed (??!!) das irmãs Mahoney.

OBS¹: O "The End" aparece, assim como em Asas, no final do filme. Quanto tempo será que o cinema demorou para inventar formas mais criativas para terminar uma produção? A resposta eu ainda não sei, mas quando ficar sabendo (ao longo do projeto) falo para vocês.

OBS²: Sobre a indagação dos seguidores sobre o porque de eu ter dado a nota 6,0 para Asas, aí vai a resposta: como não tenho parâmetros históricos concretos para comparar as produções antigas, comparo-as com os filmes da mesma temática que conheço, ou seja, filmes mais recentes (é claro que amparado numa visão etimológica e justa da condição tecnológica de cada época).

MELODIA DA BROADWAY - THE BROADWAY'S MELODY
LANÇAMENTO: 1929 (EUA)
DIREÇÃO: HARRY BEAUMONT
GÊNERO: MUSICAL
NOTA: 6,2

04 maio 2010

Mais Quentin do que nunca

Pra eu que pensava que já tinha visto a obra-prima de Tarantino ao assistir Pulp Fiction - Tempos de Violência (1994), me surpreendi quando, semana passada, terminei os 162 minutos de Bastardos Inglórios, com a sensação de que esse tempo passou como um raio que rasga o céu em segundos. Cada cena, cada passagem dramática foi bem articulada para que o espectador não se cansasse em nenhum momento. Eu, que não tinha visto o longa antes da premiação do Oscar, passo a questionar minha predileção por Avatar e a me interrogar se o mais justo não seria dar a estatueta-mor a Quentin.

Para quem não conhece, o filme conta a história dos Bastardos, grupo judeu de extermínio dos nazistas, que existe apenas para matar. Outro objetivo que se não a eliminação de qualquer alemão avistado não justifica sua existência. O grupo, comandado por Aldo Rayne (Brad Pitt) é treinado para caçar e matar (sem piedade) todo nazista que se colocar em seu caminho, além de retirar seu escalpo (coro cabeludo). O objetivo principal de cada bastardo é conseguir colecionar a marca de 100 escalpos nazistas.

Do outro lado está o coronel nazista Hans Landa (Christoph Waltz), que consegue ser, ao mesmo tempo, amado, temido e odiado por quem o assiste (atuação que concedeu, para ele, a estatueta de ator coadjuvante, com louvor). É ele quem persegue vorazmente os Bartardos durante toda a trama, que se dá em capítulos, como sempre nos filmes de Tarantino. É ele também quem mata a família da judia Shoshanna Dreyfus (Mélanie Laurent), arquiteta de um plano mirabolante para se vingar dos capangas do Fuhrer. Suposta dona de um cinema na Paris ocupada durante a Segunda Guerra, Shoshanna conta com a ajuda coincidente dos Bastardos que, ao saberem que a premiére de um longa alemão (declaradamente alusivo ao nazismo e à perseguição de judeus) se dará num peqeuno cinema parisiense (que, por acaso, é o de Shoshanna) resolvem explodir o local com todos dentro, sem saber que a pseudo proprietéria pretende incendiar o cinema.

Para ajudar os homens de Rayne, a atriz alemã e agente anti-nazista infiltrada Bridget Von Hammersmark (Diane Kruger) conta com seu garbo e elegância (e sensualidade também) para enganar pobres soldadinhos nazistas, que se rendem aos seus encantos, são ludibriados e acabam caindo nas mãos dos Bastardos. Além destas personagens, Quentin brinca com a realidade (sem se ater com fidelidade a ela, o que pode ser comprovado no brilhante final) ao construir um Adolph Hitler e um Joseph Goebbels com sua visão nerd-cinéfila.

A violência é ponto forte nos filmes de Tarantino, que consegue amenizar, ou tornar menos cruel, uma decapitação, ou uma cabeça sendo estourada por um taco de baseball, por exemplo, transformando o "gore" em "cool", o intragável em admirável. Através das incontáveis relações que Quentin faz com outros filmes e diretores, em quatro línguas (inglês, alemão, francês e um pouco de italiano), seu amor pela sétima arte transborda em homenagens que se confundem com seu próprio estilo, resvalando no cinema único e competente do diretor, que muitas vezes foi taxado de esquisito e excêntrico (naõ que eu não concorde).


Os três capítulos do filme se encontram e formam uma única massa dramática, contendo atuações medianas e excepcionais, nunca ruins. O caricatural Aldo Rayne confere a Brad Pitt uma de suas mais consistentes atuações, com sua caipirice sulista americana e seus trejeitos desajeitados. Num nível totalmente superior está o Hans Landa construído por Waltz de uma maneira transcendente. O melhor antagonista, que brinca livremente com a ironia, a crueldade, a bondade e o medo que instaura em quem o assiste. Aliás, ironia é o que não falta no texto do longa, pois a mentira e a enganação estão presentes em todo trecho. Nós sabemos o que é verdade e o que não é, e, mesmo asism, o diretor consegue nos surpreender quando declara a realidade para os próprios personagens.

Além de divertidíssimo e cruelíssimo ao mesmo tempo, Bastardos Inglórios consegue fazer aquilo que todos os outros filmes sobre a Segunda Guerra não conseguiram: dar voz e vez para os judeus. Essa visão heróica de quem por tantos anos foi considerado vítima se sobrepõe ao clichê hollywoodiano de idolatrar os americanos (o que, mesmo que indiretamente, Tarantino também faz, uma vez que o grupo Bastardos é composto por sobrinhos do Sam).

Para finalizar, gostaria de destacar dois momentos artificiais do filme, tecnicamente falando: num dos milhares de trechos em que um bastardo aparece arrancando o escalpo de um nazista, ficou muito evidente que se tratava da retirada de um molde de plástico colocado sobre a cabeça e, quase no fim do filme, no momento em que um dos capangas de Rayne atira freneticamente contra um dos líderes do Terceiro Reich, deu pra perceber claramente que o personagem atirava contra um boneco que se despedaçava, assim que mais balas o acertavam. Do mais, simplesmente maravilhoso!

BARTARDOS INGLÓRIOS - INGLORIOUS BASTARDS
LANÇAMENTO: ALEMANHA/ EUA (2009)
DIREÇÃO: QUENTIN TARANTINO
GÊNERO: GUERRA
NOTA: 9,5